quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Algumas dificuldades de se iniciar um processo de imigração

Digam-me se estou sendo abusado: se tenho uma empresa e nela trabalham pessoas, e se alguma dessas pessoas me pede para declarar, no papel da empresa, que ela trabalha ali desde a data tal, fazendo a atividade tal e que trabalha tantas horas por semana, e sendo tudo isso verdade, por que eu me recusaria a declarar isso oficialmente? Se eu tenho uma escola e um aluno me de para dizer que ele estudou ali, fez o curso tal, e precisa que eu informe outras informações pertinentes, qual a dificuldade de colocar isso no papel? Será que todo mundo nesse país faz tudo tão errado que tem medo de ação trabalhista ou sei lá o que mesmo quando está declarando a verdade?

Olha, eu estou sempre torcendo por todos aqueles que estão na fila do BIQ, na fila da entrevista, dos exames médicos, na fila do pedido de passaportes e em outras filas semelhantes. Sei que o processo é demorado (eu estou nele!), que as regras mudam de forma absurda e num período de tempo esdrúxulo. Mas sabe o que me dá aflição de verdade nesse processo?

Quem ainda não conseguiu entrar.

E, principalmente, quem vem tentando há um bom tempo dar entrada em algum dos processos de imigração e não consegue, seja por motivos pessoais, seja porque, com uma mudança atrás da outra, as pessoas acabaram prejudicadas na formação e/ou na pontuação. Olha, é dose!

Alguém bem próximo a mim está nessa situação. A primeira grande mudança recente, a de 2011 (que incluiu os testes de línguas), não foi um grande impacto pra ele. Até ali, seria um item a mais, um gasto a mais, mas nada incontornável. O problema foi o que veio depois e, principalmente, a mudança de agosto do ano passado: de alguém que tinha pontuação sobrando para vender como milhas aéreas, ele foi para alguém que ficou devendo um tanto considerável. O TCFQ, que seria só um documento extra, passou a ser essencial pra ele. O IELTS, idem. De repente, alguém que ia estudar sem cobrança demais e se daria bem com qualquer pontuação se viu tendo de obter X e Y nos testes pra poder ter direito a tentar dar início ao processo.

Tem sido bem difícil. Semana passada, nos encontramos e sentei para ajudá-lo, e aí me dei conta de uma coisa que ele não estava levando em consideração: aquele pontinho que você ganha pela capacidade de autonomia financeira, que nada mais é colocar o dedão por extenso assinar a declaração dizendo que você terá Z moedas de ouro para levar para o Québec e se manter nos três primeiros meses. Gente, como fez diferença!

Sintam o drama: o diploma dele (que, na verdade, ele ainda não recebeu), pode valer 6 ou 8 pontos pela tabela oficial. Somados os demais quesitos (incluindo o pontinho lá de autonomia financeira), ele pode estar, nesse momento, com 47 ou 49 pontos. Dá pra entender o que é isso, sabendo-se que falta pouco mais de um mês para expirar o prazo das regras atuais?

Enfim, conversei com ele, ele considerou, considerou, considerou, e agora vai mandar o que tem. Está juntando tudo e foi pedir as declarações das empresas onde trabalho e do curso que fez (porque o diploma oficial ainda não saiu). Resultado: uma empresa não teve problema; a outra está hiper-desconfiada e o responsável vai ter de "consultar o diretor para ver se é possível". Com a escola, quase o mesmo: "podemos até declarar que você foi aluno e concluiu o curso, mas número de horas do curso, histórico e essas outras informações, não". Notaram o "podemos até declarar"? 

Agora, perguntem se esses estabelecimentos estão dispostos a tirar uma cópia disso e bater um carimbo de "confere com o original"? "Nossa, estranhííííííssimo isso, né? Deve estar pra entrar na justiça, e o caso deve ser bom, então não vou dar corda pra eu mesmo me enforcar". Ninguém disse isso, mas parece ser o pensamento comum. Tá certo que, por tradição, a gente recorre aos cartórios para cópias autenticadas, mas, se você não precisa de nada que exija a intervenção de um cartório, qual o problema de você bater um carimbo numa cópia de um documento que você mesmo emitiu?

Só consegui concluir que, no Brasil, a desconfiança nos outros é tão grande, que a postura defensiva é tão comum e que estamos tão acostumados a fazer a coisa de maneira tão torta que não temos nem coragem de declarar algo que nós mesmos sabendo ser verdade. Então, é melhor eu me resguardar e não confirmar nem confirmar que isso ou aquilo aconteceu, do que falar a verdade e me dar mal.

Enfim, no caso que expus ali em cima, já está claro que as declarações não vão ficar 100% nos moldes que o BIQ quer, e que ele vai ter de se valer de cópia autenticada em cartório para tentar fazer com que o processo seja aberto. Estou torcendo muito, mas muito mesmo, para que tudo dê certo e ele consiga. O processo tem sua dose de agruras, peculiaridades e exigências estranhas; mas nada supera, eu acho, a pessoa pedir um documento que só confirme uma situação aqui no Brasil e geral se recusar, como se fosse ilegal. A impressão que fica, realmente, é a de que tudo se faz tão errado aqui no Brasil, que até quando você não só sabe a verdade como é responsável por ela, é melhor falar o mínimo possível e não se comprometer.

À bientôt!

9 comentários:

  1. Sei bem desse dilema. O meu maior problema mesmo foi com o INSS. Primeiro você tem que agendar pra cadastrar uma droga de senha (sem vagas) depois da senha você imprime o negócio da internet e NGM QUER ASSINAR pois não faz parte do protocolo. OK, como aceitava o imposto de renda, eu imprimi meu imposto do ano passado e o recibo inclusive e pedi pro povo da receita, implorei, quase chorei pra baterem um carimbo e uma assinatura. A resposta? não é prática fazermos isso e não podemos te ajudar. No fim todas as minhas cópias são autenticadas em cartório e meu Imposto de renda vai sem carimbo da receita federal! Realmente é muito muito difícil autenticar o documento através do emissor. Mas acredito que seu amigo vai conseguir sim, o máximo que deve acontecer é eles mandarem a carta intention de rejet pra ele mandar mais documentos, ele pode ganhar um tempo nisso e conseguir reunir mais evidências! No caso do diploma eu não entendi muito bem, afinal se ele concluiu o curso, um certificado a faculdade é obrigada a fornecer. Quando me formei, os diplomas só ficariam prontos em 120 dias após a colação, porém me deram um certificado de conclusão e o mesmo foi usado para o MBA e também pra quando eu fui pra Bélgica.

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    1. É triste isso, não é, Rita? Olha, ainda bem que a vontade dele de imigrar é grande. Se não, acho que já tinha jogado a toalha. Continuo incentivando ele a mandar o mais rápido possível, e falei justamente sobre o tempo que ele pode ter caso receba uma intention de rejet. Enfim, o negócio é torcer!

      Quanto ao diploma, pois é, em geral eles dão um certificado ou declaração, mas até isso tem sido difícil. E com as informações que deixariam tudo mais fácil, nem pensar! É só a declaração padrão e pronto. Difícil, viu?

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  2. Doug, essa foi minha realidade no momento de enviar o dossiê em 2012.

    Realmente me surpreendo como as áreas de Departamento Pessoal ou Recursos Humanos, além de antigos chefes podem ser tão insensíveis quando querem.

    Solicitei as cartas de experiência profissional para as empresas, eu mesmo as redigi para não dar nem mesmo trabalho pra eles, e informei todo o propósito e a necessidade. Pedi pra um, pra outro, e mais outro... No fim das contas, consegui todas as cartas, com 60-70% das informações solicitadas pelo BIQ. Enviei assim mesmo. Paciência...

    E essa tensão, ao meu ver, só acaba quando estamos com o CSQ em mãos. Eu mesmo, por exemplo, estou mais uma vez num pico de tensão terrível... Essa sexta envio o documento da esposa, e já vou marcar amanhã a próxima sessão do TCFQ, pois minha prova anterior perde a validade na próxima semana. Isso significa quase 2 anos de espera pelo provincial.

    Então é difícil dizer o que é mais desmotivante. A falta de boas almas que estejam dispostas a ajudar no Brasil, ou a extrema bagunça dos processos de imigração que não dão qualquer visibilidade a quem quer imigrar...

    O jeito é (tentar) dançar conforme a música, e torcer para não torcer o tornozelo ou escorregar.

    Abraços.

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    1. Eu lembrei do seu caso enquanto ele me contava o dele, Filipe. Mas é bom saber que você mandou com 60% ou 70% das informações e foi aceito assim mesmo. Tomara que o dele seja aceito também!

      Só tendo muita vontade de imigrar pra aguentar tudo isso, né? Mas ainda acho que você vai conseguir tudo sim. Agora, que eles deviam deixar tudo mais transparente, isso deviam mesmo, principalmente quanto a mudanças. Pô, o pessoal passa um tempo ralando atrás de alguma coisa e aí, um mês antes, resolvem dizer que vai mudar tudo? E isso quando avisam, né? Complicado.

      Abraço!

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  3. Oi Doug, vi teu blog pelos comentários do Les Poussins. Muito pertinente esse teu post, passo pra deixar minha opinião.

    Quando fui pedir minha carta pro RH do meu emprego da época, tive que mentir pro BIQ, já que eu era um dos casas em que atua na função X mas a carteira é assinada na função Y pra pagarem menos impostos. então tive que dizer que não trabalhava como arquiteta (apesar de fazê-lo) para que a empresa não desconfia-se que eu estava fazendo isso para processá-los. Assinaram numa boa, eu disse que seria pra comprovar vínculo de um visto americano. Agora, e o medo de o BIQ desconsiderar minha formação e profissão na hora dos pontos e do CSQ? Tudo por causa da "falcatruagem" da empresa! Que não podia escrever a palavra "arquiteta" na minha CLT! No fim deu tudo certo e meu CSQ consta arquiteto, mas é mais um stress... a burocracia e as pessoas nos prejudicam muito além do que eles imaginam...

    Abraços!

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    1. Oi, Ana! Obrigado pela visita!

      Nossa, já esbarrei com uma pá de gente que tem esse problema que você teve! Aliás, em alguns casos, até pior: vi gente que estava na mesma situação que você, mas cuja profissão tinha de ser declarada MESMO. Se você um nível abaixo do que pediam no NOC, a pessoa estava fora. Vi alguém que tentou, implorou, chorou na emprega, chegou a explicar que estava participando do processo (um risco, claro!), e não teve jeito. Então, realmente é deprimente ver as pessoas tendo de passar por situações como essa, principalmente quando é por causa do "jeitinho"...

      Abraço!

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    2. Bah, daí é complicado, acaba realmente prejudicando muito a vida do funcionário só pra se dar bem, economizar algum $, é triste... No meu caso acho que não teve tanto problema pois eu não era requerente principal, se dependêssemos da minha profissão para sermos classificados ficaria difícil! Mesmo assim acho que naquela época o BIQ era bonzinho e acabei ganhando a profissão correta no CSQ, ainda bem!

      Abraços.

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  4. Bem pertinente o seu post, e é bom complicado mesmo, essa situação! Parece que nós somos "os errados", e que algo que é de nosso direito é uma ofensa para ditas pessoas ou instituições.

    Uns truques para conseguir as cópias conforme e documentos:

    Leve sempre as cópias que já possui de outras empresas ou universidades, para mostrar, dizendo que já foi em x, y, z e pegou esse documento e mostre para a atendente... isso vai fazer com que essa pessoa pense duas vezes e fique mais constrangida de negar o seu direito.

    Outra coisa... em vez de falar em "cópia conforme", leve a cópia e o original e peça um carimbo de "confere com o original"... novamente se já tiver algum ou alguns, leve para mostrar... tente sempre pedir para colocar o que o BIQ solicita.. mas se não der, no mínimo o carimbo...

    Se perguntarem para o que é, o melhor é dizer que é visto para viajar, ou melhor ainda visto de estudante para fazer mba ou mestrado (as pessoas tendem a acreditar mais nisso e não se sentirem intimidadas, com medo que vc ponha na justiça ou algo obscuro assim)...

    Em relação ao INSS, eu falei que já tinha ido no consulado várias vezes e que eles não estavam aceitando o documento sem carimbo... daí o atendente lá se convenceu a carimbar....

    Ah.. quanto a pedir em francês/inglês... por experiência, acho que é muito mais difícil!...

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    1. Muito obrigado pelas dicas, Rose e Du! Vou repassá-las ao meu amigo com certeza. Espero de verdade que isso facilite as coisas.

      Quanto aos documentos em francês ou inglês, também acho mais coplicado. Mas, no atual trabalho dele, talvez seja possível, já que é empresa multinacional. Veremos!

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