terça-feira, 31 de março de 2015

Conhecendo gente, adaptador e a biblioteca de Montreal!

Como nem só de tensão e compromissos oficiais vive o homem, no meu primeiro fim de semana aqui aceitei um convite do amigo que está me hospedando para ir conhecer alguns amigos dele durante um brunch. O lugar escolhido foi o Universel, que desde já eu aprovo e recomendo (e o Chuck também).



Uma coisa que pesa contra, pra mim, é que o lugar parece estar sempre cheio. Pelos comentários que ouvi, é desse jeito todo dia. Eles servem café da manhã, brunch e almoço (até onde vi), e tem de omelete a crepe, passando por uma bela pratada de petit déjeuner (que aqui é só déjeuner) ao estilo norte-americano. Eu tinha acordado cedo e, por isso, já tinha tomado um café com pão na chapa em casa (desapega, meu filho!!) e, como fomos pra lá depois das 11 da manhã, achei melhor não encarar o pratão de café da manhã e fui de crepe mesmo. Mas mesmo o crepe era de Itu, gente... uma delícia, massa fininha e recheio generoso, mas precisei de uma ajudazinha do Divino pra fazer descer os últimos pedaços.

Eu acho que devia ter umas 15 pessoas lá e, obviamente, não deu pra eu conversar com todo mundo. Mas todos pareceram ser muito gente boa. Eles estão já há dois, três, cinco anos aqui, então ninguém ainda está deslumbrado. O que foi bom, porque pude pegar algumas opiniões mais embasadas de gente que veio, viu e venceu, e de gente que ainda está vendo e vencendo. Uma coisa que me deixou um pouco mais tranquilo em relação à decisão de focar nos idiomas neste primeiro ano é que todos com quem falei voltaram para a sala de aula em algum momento. Não importa o nível em inglês ou francês, todos sentiram que precisavam fazer um esforço extra em relação aos idiomas. Conheci duas meninas que fizeram o curso de inglês que estou querendo fazer e elas disseram que é realmente excelente. Outros fizeram outros cursos (francisação no meio) e também foram unânimes em dizer que por melhor que a gente saiba ou fale o idioma, só por aqui mesmo é que você descobre o quanto ainda tem pra aprender.


Grande Bibliothèque de Montréal

Outra coisa que fiz nessa semana que passou foi ir conhecer - e me inscrever! - na Grande Biblioteca de Montreal. Eu já tinha a intenção de fazer isso, até porque, nerd do jeito que sou, não consigo ficar muito tempo sem livros pro perto. E, vindo de um lugar onde bibliotecas são raras (e pouco inspiradoras), eu iria entrar nesse mundo uma hora ou outra. Não bastasse isso, tanto na palestra de premières démarches como na do Objectif intégration os instrutores ressaltaram a importância de se estar inscrito numa biblioteca. O apelo vem não só pela chance de obter conhecimento de graça como também pelo fato de que as bibliotecas oferecem diversos serviços, incluindo grupos de conversação em idiomas e palestras para recém-chegados.

O site da Grande Biblioteca já dá uma ideia. São quatro milhões de documentos, sendo a metade só de livros. Eu peguei as informações para me inscrever e lá fui eu, munido de documento de identidade (meu passaporte, no caso, já que ainda não tenho carteirinha de nada daqui) e comprovante de residência (recebi a primeira correspondência em endereço canadense, então tá valendo!). Pra chegar à biblioteca, é super tranquilo: basta pegar o metrô onde quer que você esteja e descer na estação Berri-UQAM. Dali, você nem precisa ir pra rua: basta ir subindo as escadas e seguindo as placas e, quando você vê, pimba, tá de frente com a biblioteca.

Logo na entrada, há uns guichês com fila, mas, pra não marcar bobeira, fui consultar uma placa indicativa que fica antes dos guichês. E fiz bem, porque não era ali que faziam o registro de novos usuários. Seguindo para a direita, vi a placa de abonnement e, de novo, fila. Aí não deu pra escapar :P

O atendente foi muito simpático. Eu falei que queria fazer a minha carte d'abonné e ele perguntou se era a primeira vez. Disse que sim e ele me pediu os documentos (identidade e comprovante de residência). Com a maior educação, perguntou se podia tirar a carta de dentro do envelope para ver a data, pois o comprovante de residência precisa ter menos de 6 meses. Enquanto fazia o cadastro no sistema, me entregou um folheto com informações básicas sobre a biblioteca (quais os tipos de documentos existem, quanto tempo se pode ficar com cada um, multa por atraso, etc). Quando terminou, ele me entregou a carteirinha, pediu pra eu assinar na parte de trás e me deu uma senha provisória para fazer o acesso pelo site. Explicou que é possível fazer reserva de livros, salas e documentos pelo site, bem como utilizar outros serviços. Me desejou boas-vindas e pronto, acabou. Residentes do Quebec não pagam nada para se registrar e a carteirinha tem validade de dois anos.

Obviamente, fui logo explorar, né? Mesmo sabendo que seria besteira pegar algo emprestado logo de cara, com tantas coisas ainda pra fazer, nada me impedia de dar uma volta para conhecer o lugar. São quatro andares de puro deleite para quem curte leitura e conhecimento. Fiquei tão empolgado que saquei o celular (eles têm wi-fi gratuita para os usuários registrados) pra mandar WhatsApp pra minha mãe, que também é louca por livros. "Mãe, tô na biblioteca! Tem quatro andares!"; "Nossa, filho!! E você pode usar tudo?"; "Posso, mãe! É de graça!"; "Quantos livros você já tá segurando?"; "Nenhum, mas só porque acabei de entrar".

Os assuntos estão separados por andar e há placas indicativas para todo lado. A primeira surpresa foi quando esbarrei com uma sessão de jogos de vídeo-game. Sim, eles tem uma seção só de jogos de vídeo-game para emprestar!! Alguém já tinha comentado isso comigo, mas eu havia esquecido completamente. Já comecei a babar ali mesmo e fiquei perto de uma convulsão quando vi que eles também tem uma ala só de histórias em quadrinhos!! De vários gêneros (incluindo mangás), em vários idiomas (mas principalmente em inglês e francês, claro) e para todos os gostos.

Mas caí pra trás mesmo foi quando vi que eles têm não só uma sessão inteira dedicada a livros e métodos para aprendizado de línguas estrangeiras, como também um mini-laboratório de línguas à disposição dos usuários. Nessa hora, o lobo de desenho animado dentro de mim uivou.




Espanhol, holandês, alemão, russo, romeno, islandês, nepalês, árabe... não fiz uma lista, mas dá pra imaginar que vai ser difícil não encontrar algum idioma representado ali. Passei por livros de fazer arrepiar os pelos do braço para quem curte idiomas, tipo "Irlandês Antigo" ou "1001 verbos suecos". Afif. Queria sentar ali no chão mesmo com tudo nos braços. "Filho, você não tinha que ir fazer outras coisas?"; "Juro que tô tentando ir embora, mãe!".

No fim, resisti ao ímpeto e não levei nada. O fato de ainda não ter uma rotina estabelecida, ter ainda pendências a resolver, bem como não querer entulhar a casa do meu amigo com livros e mais livros me fez colocar tudo de volta na estante. Mas prometi pra cada livro que voltaria outro dia.


Adaptador de tomada

Como amante de viagens que sou (embora talvez esteja começando a deixar de sê-lo), tenho um conjuntinho de adaptadores de tomada. Não sei porque não padronizaram isso até hoje, mas, enfim... quem já viajou por aí sabe que é um saco você pegar o(a) seu(ua) barbeador/secador/carregador de celular/chapinha ou outro badulaque e só então descobrir que a tomada do lugar onde você está não possui dois furos redondinho e lembra mais uma das linhas de Nazca.

Então, precavido, juntei todos os meus adaptadores num saquinho, coloquei dentro de uma maletinha e... deixei dentro do armário no Brasil. Se fosse um caso de vida ou morte, eu levaria o Troféu Darwin de Seleção Natural, mas pelo menos dessa vez eu escapei. De início, me virei com o adaptador do meu amigo, mas, obviamente, às vezes os dois precisavam do troço ao mesmo tempo, e claro que ele é quem tem a prioridade. Então resolvi ir procurando nas lojas à medida que fosse passeando por aí.

Achei que seria fácil. Tolinho.

O primeiro lugar em que olhei foi na Future Shop, quando estava procurando o computador. Não tinham. Depois, olhei na Best Buy. Só tinham um kit com vários adaptadores e conversor de voltagem que saía por 40 moedas de ouro canadenses. Achei que era muito para pagar numa coisa que - não custa lembrar - eu já tenho, mesmo tendo esquecido no Brasil. Perguntei onde eu podia encontrar só o adaptador que eu queria e me sugeriram Jean Coutu, Pharmaprix, Unipharma... passei por todas e ou não tinham, ou só tinham em forma de kit (mais barato que na Best Buy, mas, ainda assim, em torno de 30 moedas de ouro).

Virou questão de honra. Fui pra internet e vi vários lugares em que, teoricamente, seria fácil achar. Só que eu ia nesses lugares e nada! Daí começaram a me dizer que era difícil achar, que só tinham visto o kit pra vender. Fui até em lojinha pra turista perguntar, mas não tive sorte. Até que resolvi chutar o balde e ir à Meca de todos os artigos para o lar: a Canadian Tire!

Já de cara gostei porque achei um kit de adaptadores pra viagem por 20 moedas de ouro, metade da Best Buy. Fiquei tão feliz que quase fui direto pro caixa, mas lembrei que não tinha compromisso e era uma boa oportunidade pra conhecer a loja. E, gente, vou te falar... parece que tem de tudo mesmo pra casa, viu? Até alguns móveis eles têm, mas o forte são ferramentas, eletrodomésticos e utensílios. Tem de furadeira a tampa de privada, passando por frigideira e umidificador de ar. É muita coisa. Já fiz uma nota mental pra quando tiver o meu canto.

Enfim, acabei encontrando o adaptador para tomadas redondas avulso, sem kit, sem conjunto, sem acessórios. Só ele! E esse Santo Graal dos adaptadores custou 4 moedas de ouro canadenses. Carinho pra um adaptador, na minha opinião, mas, depois da peregrinação que foi encontrar, eu paguei feliz. Com certeza deve haver opções bem mais em conta por aí, mas a minha ignorância de recém-chegado aliada ao esquecimento do pessoal que já está aqui há mais tempo e não lembra onde comprou não ajudaram. Quem mandou esquecer o kit no Brasil?

À bientôt!

quinta-feira, 26 de março de 2015

Palestras do governo para recém-chegados

Desde sexta-feira passada, estou num intensivão de palestras do governo para imigrantes recém-chegados. Fui inscrito em duas, ambas quando passei pela salinha do Quebec no aeroporto de Montreal, após fazer meu landing. A funcionária que me atendeu me ofereceu essas palestras e fez minha inscrição na hora, me entregando em seguida as folhinhas impressas com endereço e horário.

A primeira, que foi a da sexta-feira passada, era sobre as etapas de instalação para quem acabou de chegar. Dura três horas, e nela o palestrante fala sobre (quase) tudo: habitação, carteira de motorista, assurance maladie, escola, NAS, conta bancária, auxílios... mas não entra em grandes detalhes sobre nada disso. Você pode fazer perguntas e tudo mais, mas fica claro que a intenção é mostrar para o recém-chegado que existe isso, isso e aquilo no Quebec, e que, se ele quiser se informar mais, deve ir aqui, aqui e ali. Não é algo para eles te pegarem pela mão, analisarem tua situação específica e dizer o que você deve (ou poderia) fazer. Para quem passou anos fazendo pesquisas para o processo, não há muita novidade. Ainda assim, é bom ir para pegar alguns detalhes, tirar dúvidas ou treinar o francês (porque isso nunca é demais).


Objectif intégration

A outra, na verdade, é um ciclo de uma semana que começou, pra mim, na segunda à tarde. Tem sido todos os dias, pela manhã e à tarde, e termina amanhã pela manhã. Essas são as palestras que todo mundo devia ter direito a assistir antes de vir pra cá, talvez até mesmo antes de entrar no processo. Eles botam a real sobre o mercado de trabalho do Quebec, sobre o que é levado em conta numa contratação, sobre os costumes no ambiente de trabalho. Falaram sobre currículo, entrevista, seguro-desemprego, impostos, salário... enfim, um milhão de coisas sobre integração do imigrante ao mercado de trabalho.

Aliás, alguns imigrantes que estão na mesma turma que eu levantaram a peteca de que o programa de imigração é enganoso, que o Quebec faz parecer que tudo é fácil e tralálá, mas que só aqui é que a gente descobre como as coisas são. Resposta do palestrante: realmente, só dá pra sentir na pele quando se está aqui, mas todas as informações que ele passa estão disponíveis na Internet, nos sites do governo, em cartilhas, brochuras e outros meios, e quem planeja e lê para entrar no processo acaba entrando em contato com tudo. De forma que, se você achou que seria fácil, você não pesquisou o suficiente.




Na segunda-feira, parecia que o negócio não ia pra lugar algum. Basicamente, a palestra foi sobre história do Quebec e os valores da sociedade. Mas logo fica evidente que isso é para ambientar quem está chegando de fora (isto é, nós) sobre os motivos de certas coisas serem como são. Aqui e ali você consegue fazer relações entre a história, a sociedade e o modus operandi do mercado de trabalho quebequense. Claro, não dá pra ficar expert no assunto, mas serve pra você ver que há uma razão de ser para as coisas (pelo menos em alguns casos).

Na terça e na quarta, as palestras foram focadas no tal plano de ação personalizado. Basicamente, foi pra deixar claro que é preciso definir qual o seu objetivo profissional aqui, e daí ver se falta algo pra você poder chegar até lá e, em caso afirmativo, como fazer pra atingir o objetivo. Um exemplo que o palestrante deu foi de uma francesa que imigrou para o Quebec e se candidatou a uma vaga de caixa em um banco local. Ela possuía vários anos de experiência atuando em bancos franceses, principalmente em serviços ligados ao atendimento à clientela, mas optou por começar como caixa aqui. Amigos e parentes disseram que ela não precisava começar por baixo devido à fluência no idioma e à experiência profissional, e a resposta dela era que ela realmente tinha tudo isso, mas ela não conhecia o sistema bancário canadense e nem as relações interpessoais aqui. Começando "de baixo", ela teria condições de aprender tudo isso e reconstruir sua carreira aqui, já que seu objetivo era fazer o mesmo que fazia na França.

Obviamente, essa é uma escolha pessoal. Tem gente que não admite dar passos para trás, outros precisam estudar para obter condições de se candidatar a um emprego, e há ainda aqueles que resolvem mudar totalmente de carreira. Em cada caso, um objetivo, e, para cada objetivo, um caminho diferente a seguir. Esse é a mais ou menos o resumo desses dois dias de palestra.

Hoje foi basicamente sobre aspectos legais do trabalho. Uma coisa que eu particularmente não sabia é que nem sempre há contrato de trabalho. Você pode trabalhar sem contrato e, ainda assim, estar dentro da lei (desde que o empregador e você mesmo paguem seus impostos e cumpram o estabelecido, claro). Quando não há contrato firmado, aplicam-se as leis trabalhistas mínimas, uma espécie de contrato geral estabelecido por lei que dita qual é o mínimo em cada aspecto do trabalho (salário, folgas, férias, seguro, etc).

O último módulo será amanhã, e vai cobrir as oportunidades de emprego fora de Montreal. Há um esforço do governo para que as pessoas escolham outras cidades que não Montreal, já que a concorrência aqui é grande e tende a aumentar ainda mais com os imigrantes chegando e se estabelecendo aqui. Então acho que amanhã rola um jabá de Trois-Rivières e companhia.


Vale a pena participar das palestras?

Que fique bem claro que essas palestras não são obrigatórias. No aeroporto, eu poderia ter dito "não, moça, não quero participar não, brigado" ou ˜valeu, mas eu tenho outras coisas pra fazer (tipo postar fotos no Facebook pra mostrar que eu cheguei), então vou me inscrever depois˜. Aliás, quem não chega por Montreal ou quem chega em horários, digamos, pouco convencionais (tipo três da manhã) não "ganha" inscrição direto nas palestras. Precisa ligar e marcar, se quiser participar.

Mas eu aconselho todo mundo a participar. Além de dar uma relembrada em muita coisa que você provavelmente já viu nas pesquisas, com certeza uma ou outra coisa será nova pra você. E com o bônus de você poder tirar alguma dúvida mais específica com a pessoa ali, na hora. Há muita, muita informação mesmo, mas eles dão material impresso (folhas impressas, apostilas, etc) que permitem que você reveja tudo em casa. E nesse material você sempre encontra telefone e página na Internet de cada órgão responsável por cada assunto. Quem conhece o guia Apprendre le Québec já tem uma noção boa de como isso funciona.

Embora as informações sejam úteis e tal, não dá pra negar que é muita coisa pra quem está chegando e ainda não conseguiu nem entender pra que lado é o metrô. Ainda assim, se você não conseguir assimilar nada ou achar tudo muito chato, vale, pelo menos, para praticar o francês. Bien entendu, as palestras são todas em francês, e os sotaques variam muito. Na minha turma, sou o único brasileiro. Tem uma colombiana, um chinês, um casal de iranianos (que sumiu desde ontem), e o restante é composto de argelinos e marroquinos. Então a parabólica das zureba é forçada a ficar tentando sintonizar cada sotaque pra poder entender tudo. E foi justamente lá que consegui começar a falar com mais calma desde que cheguei. Acho que estar num ambiente mais informal ajudou bastante. Eu fico quietinho no meu canto, mas quando sou chamado a participar, participo. Ontem um argelino até resolveu que queria conversar comigo e passou o horário do almoço inteiro batendo papo. O sotaque é punk virado no cão, mas, depois de um tempinho, as parabólicas se ajeitam e a coisa flui melhor.

Ah, uma coisa que é pisada e repisada nas palestras é a importância do trabalho voluntário e do networking (ou résautage). Em todos os tópicos, esses dois itens sempre voltam à pauta, de modo que é bom tê-los sempre em mente em terras canadenses.

Mesmo sendo útil, confesso que não vejo a hora do negócio acabar amanhã. Tenho que continuar procurando apartamento (assunto para outro post) e começar/terminar/continuar uma série de outras coisas pra cujo tempo tem sido escasso por causa dessas palestras. Mas courage, tá logo ali.

À bientôt!

segunda-feira, 23 de março de 2015

Conta em banco, Assurance Maladie e frio nazureba!

A segunda já havia sido muito emocionante em termos de obrigações relacionadas à residência permanente e contato com nativos, mas essa parte ainda não havia terminado. Como não consegui ir ao banco no primeiro dia, resolvi que seria a primeira coisa a fazer na terça. Acabou sendo a segunda, porque a primeira foi esperar a neve diminuir.


Conta bancária

Foi a primeira vez que vi neve caindo pra valer. E, vou te contar, fiquei hipnotizado pela bagaça! Passei um bom tempo vendo o vento soprando cada hora de um lado e a neve rodopiando ora pra cá, ora pra lá. Sim, é deslumbre de recém-chegado, eu sei, mas vamos combinar que eu mereço, né? Depois de todo o estresse e de ficar andando de mão dada com crises de pânico iminentes nos últimos três dias, eu merecia um momento Kodak pra relaxar.

Demorou pra neve diminuir, mas, quando ela diminuiu, lá fui eu pra rua. Eu tinha escolhido o Scotia Bank pra abrigar minhas moedas de ouro, e, no dia anterior, tinha tentado ir na agência do metrô McGill. Mas descobri que havia uma perto de onde estou, e foi pra lá que rumei. Quando cheguei, a recepcionista me cumprimentou com um "Bonjour". Então respirei fundo e soltei:

- Bonjour! Je suis un nouvel arrivant et je voudrais parler à quelqu'un sur la possibil--

- Pour ouvrir un compte?

Poxa, dona... eu tô aqui, me esforçando, fazendo exercício de relaxamento do maxilar, tentando levar meu distúrbio de ansiedade do jeito mais leve possível e você não me deixa nem terminar a frase? Mas oui, é isso aí mesmo, vamo lá... Ela foi até a mesinha, pegou um cartão e anotou que eu teria um rendez-vous com um gerente de contas dali a quarenta minutos. Já me disseram que pra tudo tem rendez-vous. Se você vai à farmácia procurando um remédio pra dor de estômago, eles marcam um rendez-vous com o farmacêutico dali a 10 minutos, mas você não escapa. Ela pediu meu passaporte e um comprovante de residência (apresentei o contrato de celular, mas ela pediu outro. Então apresentei a folha impressa quando peguei o NAS, e aí ela aceitou).

Fui matar tempo e voltei no horário marcado. Pontualmente, fui levado até a sala do gerente. Depois das devidas apresentações, expliquei que eu tinha acabado de chegar e que eu já tinha lido que o banco possui um programa para imigrantes recém-chegados e gostaria de saber dos detalhes. Cara... eu nunca recebi tanta atenção em banco algum no Brasil! Tá certo que minha vida bancária nunca foi muito agitada, mas eu já tive que falar com um ou dois gerentes algumas vezes e NUNCA recebi tanta atenção. Verdade seja dita: o gerente que me atendeu foi cordial e profissional, mas não exalava simpatia (só que eu provavelmente também não exalo, então dá empate). A boa notícia é que consegui entender 98% do que o gerente falou, o que é bem importante na hora de lidar com a instituição que vai cuidar do seu ouro.

Ganhei vááááários papéis (que estou lendo aos poucos), vááários cartões de visita do gerente ("caso você tenha amigos imigrantes que estejam chegando"), folhetos e brochuras com informações sobre as operações bancárias, uma pastinha para guardar tudo e o mais importante: um cartão de débito (ativado na hora, no caixa da agência) e o pedido do cartão de crédito já pré-aprovado. E ele chegou três dias depois (a previsão era de 10)! Consequentemente, já estou construindo meu histórico de crédito (pagando conta de celular e comprando pão, mas tá valendo, néam?).


Comprinha

Depois do banco, fiquei tão feliz da vida que resolvi dar o passo seguinte, que é... gastar! Nada como o capitalismo e o consumismo pra fazer a gente relaxar (só que não). O fato é que eu não trouxe o meu computador do Brasil, por uma série de razões: primeiro, ele é bem antigo e já estava bem lento; segundo, por ser bem antigo, dá pra imaginar que ele é bem pesado, principalmente se comparado com os modelos modernosos; terceiro, o espaço era restrito (viajei só com uma mala, além da bagagem de mão), e era melhor aproveitar esse espaço com outras coisas que me serviriam mais permanentemente do que com um computador que não demoraria muito a morrer de vez.

Então, uma das coisas que eu queria fazer logo que chegasse era comprar um laptop novo. Dei uma olhada em lojas no centro de Montreal, mas não achei exatamente o que estava procurando. Me aconselharam ir até o mercado central, que é um aglomerado de várias lojas grandes que fica fora do centrão, um pouco mais para o norte. Peguei o metrô (pro lado errado) e demorei um tanto pra chegar lá. Na verdade, desci na estação de l'Acadie e já tinha me proposto a caminhar até o mercado (embora pudesse muito bem pegar o ônibus).

E andei... e andei... e andei... e consultei o Google Maps pra ver se eu estava indo pro lugar certo... e andei mais... e o negócio não chegava. Acho que durou uns 20, 25 minutos pra eu poder avistar os prédios. Mas andar não foi o problema: o problema foi o vento! O boulevard é reto, com construções baixas, então o vento passa numa boa por todo lado! Eu estava bem agasalhado, mas tinha deixado o rosto e as orelhas expostas porque ah, não é tão longe, e eu não tava sentindo incômodo. Bom, quando passei a mão nas zurebas, descobri que não estava sentindo nada porque elas já estavam dormentes há um bom tempo (e, quando peguei, elas começaram a doer). Eu tinha levado o gorro, mas já estava tão perto do mercado que valia mais apertar o passo do que parar pra tirar o dito cujo da mochila.

Na loja, demorei a me decidir por um laptop, mas finalmente escolhi. Na saída, taquei o gorro pra deixar de ser besta e pensei em pegar o ônibus de volta. Mas, quando você está bem protegido, tudo fica mais fácil, de modo que voltei andando mesmo e curtindo o céu azul e o -8ºC que o termômetro marcava.


Assurance Maladie

A quarta-feira foi gasta com pesquisas sobre as quais vou falar em algum outro post. Na quinta, havia o meu rendez-vous (olha ele aí de novo) na Régie d'assurance maladie. Eu poderia ter tentado ir lá antes, já que, se você não marcou, pode tentar se "encaixar" na hora. Mas quis fazer tudo bonitinho, então deixei pra ir só no dia e hora indicados mesmo.

Mas me atrasei 15 minutos por ainda não saber me situar na cidade e não ter ideia do tempo que se leva de um lugar a outro. Entrei no prédio meio esbaforido e tentei localizar o balcão de recepção (Rá! Pegadinha do Malandro, não tem disso no prédio e você perambula à vontade), daí me lembrei que estava em Montreal e fui pro elevador. Achei a salinha e me identifiquei à guarida que ficava perto da entrada da sala. Ela achou meu nome na lista e já me encaminhou para um guichê. Lá, fui muito bem recebido por uma funcionária que me deu várias informações sobre a assurance maladie (como, por exemplo, a de que eu deixo de ser coberto pelo sistema de saúde pública se ficar mais de 183 dias por ano fora do Quebec). Ela pediu meu passaporte, minha confirmação de residente permanente, meu CSQ e um comprovante de residência (lá vai o contrato de celular de novo), saiu, voltou, pediu pra eu assinar vários papéis e, no fim, falou o que eu já imaginava: estarei coberto pelo sistema de saúde pública a partir do dia 1º de junho, e minha carteirinha deve chegar um pouco depois dessa data.

Ou seja: realmente procede a história de que o mês em que você se apresenta à Regie já conta como primeiro mês cheio, independente do dia. Se eu fosse lá dia 31 de março, continuaria entrando no sistema só em 1º de junho. Se tivesse ido antes, nada mudaria. E de que isso serve? Serve pra você aí, que ainda vai vir, calcular direitinho até quando terá de cumprir carência e contratar um seguro particular por fora para o número de dias exatos em que não estará coberto, evitando assim pagar pelos dias em que já estará coberto pela saúde pública daqui.

Ah, teve uma surpresa! No final do atendimento, além de me desejar as boas-vindas, ela elogiou meu francês! A minha cara de choque deve ter sido bem evidente, pois ela sorriu, confirmou e disse que, em geral, os brasileiros não falam bem e quase sempre se expressam em inglês lá na Régie. Então, gente boa que está vindo, vamos aí contribuir pra mudar essa imagem dos brasileiros! Cheguem com o francês afiadinho pra tirar a assurance maladie! ;-)

Na saideira, você paga 10 moedas de ouro canadenses para tirar a foto que vai vir na carteirinha. Eu estava com um casacão vermelho e esqueci de tirá-lo na hora da foto. Então desconfio que eu vá parecer a princesa Amidala. Fazer o que, né...



À bientôt!

sábado, 21 de março de 2015

Les premières démarches

Nada como um dia após o outro, né não? Embora ainda sentindo bastante o turbilhão dos dois dias anteriores, acordei beeeeem mais tranquilo na segunda-feira. E ajudou bastante ter uma lista de coisas pra fazer, já que é só deixar a cachola vazia pras minhocas fazerem a festa.


Comprando um número de celular

A primeira coisa que eu sabia que tinha de fazer era comprar um número de celular. Além de prático, sempre li por aí que o povo aqui usa pra tudo. Eu prefiro muito mais e-mail, mas, sabe como é, né... já que estou em Roma... Então conversei um pouco com o amigo que está me hospedando, ele me umas noção geral do plano de celular que ele tem aqui e resolvi fazer no mesmo lugar em que ele fez.  É um quiosquezinho em um galeria perto da casa dele (e, se você for ao Centre Eaton vai ver vários quiosques das principais operadoras). Foi relativamente simples, sendo o maior problema - de novo! - eu com a frase montada na minha cabeça, mas incapaz de fazer as palavras saírem com suavidade. Foi bem melhor do que nos dias anteriores, mas ainda longe do meu normal.

Eu optei por usar o meu próprio aparelho trazido do Brasil, mas, quem quiser, pode aderir a um plano de dois anos em que você pega um aparelho novinho e sai bem em conta. Ótima oportunidade para trocar um modelo antigo, mas eu preferi economizar nesse lado. Pelo pouco que vi, os preços e planos das operadoras são bem parecidos, e, obviamente, tudo vai depender de como você utilizar o celular. Eu peguei um plano com ligações ilimitadas para todo o Canadá, mensagens de texto ilimitadas para o mundo inteiro, dados de 1 GB, correio de voz e identificador de chamadas, além de outras coisas. Isso é mais do que qualquer coisa que eu já tive no Brasil. Daí vou ver como me comporto com o celular durante alguns meses e, se vir que estou usando pouca internet, posso reduzir os limites (e, consequentemente, o valor que pagarei mensalmente). Poderia ter feito pré-pago, que é como sempre fiz no Brasil, mas é uma maneira de ir construindo histórico de crédito e a conta (ou mesmo o contrato) serve como comprovante de residência.

Demorou um pouco pra terminar por lá, já que o sistema não aceitava passaporte e nem outros documentos que eu tinha para provar a identidade. Ele aceitou o CSQ (!) e o cartão de crédito do Brasil. Daí fez umas mandingas lá com o meu celular, sacudiu, benzeu e voilà! Salta um celular brasileiro com número canadense fresquinho! E ainda ganhei um "bienvenu au Canada" do amigo do quiosque.


Numéro d'assurance sociale (NAS)

A próxima parada foi o Service Canada do boulevard René Lévesque. Ele fica dentro de um complexo chamado Guy Favreau. Há outros pontos espalhados pela cidade, mas achei esse mais perto de onde eu estava. Fui a pé e deu pra ter uma bela noção do frio! Mas, é como dizem: se você está vestido de forma apropriada, ele não te incomoda. Já se você for friorento(a), acho que não importa o tanto de roupas, você vai xingar a humanidade inteira em ordem alfabética toda vez que sair pra rua.

A primeira coisa diferente que notei, depois que entrei no complexo, é que não tem uma recepção ou algo do tipo pra você chegar, se identificar, mostrar o RG e tirar fotinho ("olhe para a câmera, senhor. Obrigada") antes de perambular. Até agora, não vi nada do tipo em nenhum dos prédios nos quais entrei. Imagino que deva haver algo parecido em certos prédios, mas realmente isso me chamou a atenção.

O Service Canada fica no subsolo, para quem vem da rua. Há placas indicando, então é bem tranquilo para achar (mas há um balcão de informações também, se você quiser ir treinar seu inglês ou francês ou for carente de atenção). Fiquei um tempinho observando o lugar antes de entrar para ver como funcionava o ixquema (o que evitou, inclusive, que eu tentasse entrar por uma porta que não estava funcionando) e, tão logo vi onde apertava pra entrar e onde apertava pra sair, fui desbravar.

O lugar estava bem tranquilo naquela hora. Quando eu entrei, havia uma máquina de senhas mais para a minha esquerda e um tapetinho no chão com umas marcas de pegada (indicando que era pra fazer fila e o caminho a seguir) que dava em três guichês. Fiquei em dúvida sobre o que fazer (senha ou fila?) e acabei na fila. O pior que podia acontecer era me mandarem pegar uma senha e entrar na fila de novo, né? Mas não foi preciso. Quando chegou a minha vez, fui ao guichê e disse a uma funcionária profissional (mas não simpática) que tinha ido tirar o NAS. Ela pediu meu passaporte e a confirmação de residente permanente, deu uma saracoteada no teclado do computador dela, me devolveu os documentos e pediu para que eu aguardasse sentado em uns bancos mais para trás. Fui pra lá e aguardei. Não deu 10 minutos, uma outra funcionária me chamou pelo nome e disse para ir para a baia de número 8. Lá, contei de novo que tinha ido tirar o NAS e ela pediu o passaporte, a confirmação de residência permanente e um comprovante de residência (apresentei o contrato do celular). Ela me deu algumas informações para ler, pediu minha assinatura em alguns papéis, saiu e, quando voltou, estava com uma folha impressa com o meu nome e o NAS. O processo todo, da minha entrada no Service Canada até sair de lá, não durou 20 minutos.


Passeio relâmpago na Île des Soeurs

De posse do NAS e do comprovante de residência, eu ainda queria ir ao banco tentar abrir conta, mas não dava tempo naquela hora: eu tinha combinado com a tradutora que fez a tradução juramentada da minha papelada de ir buscar tudo na casa dela. E ela não só mora lááááááá na Île des Soeurs, como se esconde láááááááááá no finzinho da ilha. Então pulei o banco e fui para a estação McGill do metrô.

Lá, no guichê em frente à catraca, conversei com o tiozinho e comprei minha carta Opus. Para quem ainda não sabe, é um cartão recarregável para uso no transporte público da cidade, nos moldes dos que existem em várias cidades brasileiras. Carreguei com um passe semanal porque, como já era dia 16, se eu carregasse com o mensal ele acabaria no dia 31 de março. Ou seja, dica importante para quem ainda vai vir: quando chegar, veja se vale a pena morrer em um passe mensal logo de cara ou se dá pra se virar com um semanal. Se já tiver passado a metade do mês, o semanal com certeza sairá mais em conta.

De posse do cartão, demorei um pouquinho a me localizar, mas peguei o ônibus 168 em direção a Îles des Soeurs. Foi bem tranquilo o passeio e até que não demorou. Cheguei até um pouquinho antes da hora e fui dar uma andadinha ali por perto só para ter uma noção. Gostei bastante do que vi! Entendi perfeitamente as pessoas que dizem que a ilha fica longe e que não tem metrô, mas o lugar é muito bonitinho! Quero voltar lá depois que a neve derreter pra dar uma olhada melhor.

Enfim, liguei pra tradutora (porque não me entendi com o interfone) e ela me deixou entrar para pegar as traduções. Conversamos um pouquinho (afinal, somos colegas de profissão) e lá fui eu de volta para o centro, com o mesmo ônibus 168.


Fim da jounée

Na chegada, tentei ir ao banco. Mas, chegando lá, achei esquisito: nada de porta giratória, detector de metais, só um segurança que ficava pra lá e pra cá, ora lá dentro, ora aqui fora. Fui consultar o endereço de novo, olhei a internet, comecei a pensar "será que é isso mesmo?" e, quando finalmente me decidi, encerraram o atendimento para contas e só os caixas ficaram abertos. Eitcha, roceiro! Em vez de ter entrado logo e perguntado, não...

Saindo de lá, fui bater perna pelo Centre Eaton e pela rua Sainte-Catherine para comprar algumas coisas mais importantes para o dia a dia que não valia a pena trazer do Brasil. Fiz tudo a pé, curtindo o frio, então isso me tomou um bom tempo. Mas deu certo, e voltei pra casa bem cansado, mas contente por ter dado (quase) tudo certo!

A minha trava de ansiedade continuou durante todo o dia, mas aqui e ali ela foi menos intensa, o que sinaliza que o pior já passou. É um pé no saco você ter de falar com alguém, em qualquer idioma, chegar até a pessoa e simplesmente ficar paralisado. Pelo menos, nada de taquicardia, nada de falta de ar, nada de suor frio. Ou seja, as coisas estão entrando nos eixos!

À bientôt!

quinta-feira, 19 de março de 2015

O (Re)Início!

E aí que eu cheguei!! Já estou devidamente imigrado das Terras Brasilis para as Terras do Norte!! Fiquei um tempo sem ter acesso pra valer a um computador, mas agora acho que vai!

Bom, quem me acompanha já há algum tempo sabe que eu, às vezes (só às vezes) escrevo bastante. Então, se te interessa saber sobre o meu processo de landing, pega um café ou chá, uns biscoitos (ou pizza) e senta que lá vem história!


Pré-viagem

Acho que, sem exageros, dá pra dizer que sábado foi um dos piores dias da minha vida. Eu sei que, pra muita gente, o dia da viagem definitiva rumo ao Canadá é o dia mais feliz e aguardado da vida. Eu também estava aguardando esse dia, mas ele não veio com aquela sensação bem resolvida e determinada e, sim, com muita angústia e tristeza.

Já quando levantei e fui dar bom dia pra minha mãe, ela desabou. Chorou muito, e eu acabei acompanhando. Eu já estava nervoso desde uns dois dias antes, com a arrumação da mala (e a constatação de que deixaria mais coisas do que imaginava) e o medo de esquecer alguma coisa importante pra hora H de passar pela imigração. Ver a tristeza da minha mãe não ajudou. Mas ela me encorajou o tempo todo, e afirmava que as lágrimas eram saudade antecipada.

O dia foi passando e eu não conseguia relaxar de jeito nenhum. Tentei levar a vida normalmente, mas tudo que eu fazia parecia artificial, porque a cabeça estava no futuro próximo do dia seguinte. Um futuro pelo qual eu esperei bastante tempo, mas que, de repente, parecia não ter mais tanta importância. Meu pai, minha mãe, minha irmã, todos aqueles que são extremamente, mas extremamente importantes mesmo pra mim, iam ficar para trás. Então, no meu caso, não adiantou muito aquela história de que eu já havia mudado de Brasília pra São Paulo, então seria mais fácil. Mais fácil é a @#%@#!!!! Acho que foi pior do que quando fui pra São Paulo!

Com as horas passando, tudo foi só piorando: pensamentos cheios de medo, falta de ar (tinha asma quando moleque, e, quando tô numa situação de muito estresse, o ar começa a faltar), uma vontade de desistir de tudo querendo se infiltrar e se instalar. Um turbilhão de lembranças, imagens, pensamentos, anseios que quase deram um nó. Eu ficava pensando: "cadê aquela sensação que todo mundo descreve nos blogues de euforia, de alegria pela partida, de finalmente estar indo realizar o sonho e tudo mais? Será que só eu é que sou esquisito??"

Quando deu a hora de ir para o aeroporto, eu estava no auge da angústia. No caminho, mais de uma vez me deu uma vontade súbita de pedir para o meu pai dar meia volta e me levar pra casa. Talvez assentar melhor o turbilhão de emoções antes de ir. Mas fiquei quieto. Procurei pensar e lembrar do que várias pessoas me haviam dito: que tudo isso faz parte, que o medo é intrínseco a qualquer mudança, que a ligação com a família não se rompe com a distância, que o dia seguinte seria melhor. E fui.

Eu estava triste por abrir mão do meu porto seguro, triste por fazer minha família passar pela minha angústia (além da que eles já passavam por eu estar me mudando), triste por não ter como saber se era a escolha certa. Na hora de embarcar, minha mãe se desmanchou de novo, e minha irmã também. Me segurei muito pra não deixar a situação pior, porque elas sabiam que eu estava extremamente nervoso, e chorar só deixaria as duas mais preocupadas. Meu pai, forte e carinhoso como sempre, me desejou tudo de bom e falou que as portas de casa estão e sempre estarão abertas.

Com um nó na garganta, fui pra sala de embarque. Eu tinha planejado fazer alguns vídeos de tudo e postar aqui, mas a angústia e o peso de tudo aquilo eram tão grandes que tiraram minha energia pra tudo. Embarquei no avião e dei tchau mentalmente para a minha Brasília.


Durante a viagem

Meu voo foi para Miami, e achei que não fosse conseguir dormir. Eu durmo mal até na minha cama, imagina numa poltrona de avião. E, com 7 horas pela frente (e minha cabeça funcionando a mil por hora), achei que não ia conseguir pregar os olhos. Mas, depois do jantar, me acomodei na janela e não é que consegui dormir umas 3 horas direto? Deus sabe que isso é um feito digno de ser gravado em pedra!

Quando despertei de vez, a angústia tinha diminuído um pouco. Apesar de ainda ameaçador, o futuro parecia um pouquinho mais cheio de esperança. As saudades de casa, da família, da segurança ainda eram grandes, mas não tinha mais aquela cara de separação definitiva, de luto. E eu procurei não me aprofundar nisso pra não trazer tudo de volta.

O nervosismo, contudo, não foi embora, e já na imigração em Miami ele deu as caras de novo. Acho que já comentei por alto no blogue que tive (e ainda tenho) um tipo de distúrbio que provoca ansiedade em excesso, o que, por sua vez, pode se manifestar de forma física (como a falta de ar ou ânsia de vômito) ou psíquica (crise de pânico). De forma que interações com pessoas sempre foram um obstáculo pra mim. Falar com estranhos, pessoalmente ou por telefone, eram um parto na minha adolescência e início da minha vida adulta. Eu hesitava, adiava, pensava em como ia falar, e, quanto mais fazia isso, mais ansioso e próximo de uma crise eu ficava. No Brasil, isso já estava beeeeeem melhor. Eu podia interagir com quase todo mundo sem parecer que tinha sido deslocado no tempo. Porém, uma das coisas que me afligia (e agora posso dizer que ainda aflige) era ter de começar a falar em inglês e francês pra ter uma vida nova em outro país. E, com toda a angústia do dia anterior, claro que não ia ser fácil, né?

Na imigração em Miami, eu quase travei. O agente começou a me fazer as perguntas de praxe e eu entendia o que ele falava, mas não conseguia responder de imediato. Ou então não entendia e simplesmente não conseguia pedir pra ele repetir. Ele volta e meia me dava uma olhada suspeita e chegou ao ponto de começar a falar espanhol achando que eu não estava entendendo. Não adiantou nada. A trava continuou. Pedi um segundo a ele, respirei fundo, fechei os olhos (Deus sabe o que passou pela cabeça dele), tentei relaxar e aí as coisas começaram a sair. Meio tronchas, meio como se eu tivesse uma batata quente na boca, mas saíram. Carimbo no passaporte, "boa viagem" e segui para pegar a mala. Quando passei pela alfândega, tudo saiu um pouquinho melhor, e o oficial me chamou até de "bro".

Despachei a mala na esteira de conexão e segui para o check-in. A trava na garganta ainda estava lá, mas foi mais fácil do que no guichê da imigração. Depois disso, foi sentar e esperar: meu voo para Montreal iria demorar ainda 5 horas pra sair, e eu nem estava confirmado nele ainda. Achei uma conexão wi-fi aberta e avisei a família e outras pessoas próximas, e tentei passar o tempo como deu.

Meu portão mudou três vezes, então peregrinei bastante de um lado para o outro. Quando enfim decidiram qual ia ser, sentei e fiquei aguardando. Falei com a agente do portão duas vezes na tentativa de confirmar meu assento, mas ela disse que só poderia fazer isso no último minuto, e que, se não desse, eu teria de ser deslocado pro voo seguinte, que sairia só três horas depois. Difícil, viu? Ainda mais com a minha garganta e língua se recusando a colaborar na comunicação. Mas, realmente, no último minuto, ela aparece gritando: "SIR, SIR! YOU'VE MADE IT! BUT YOU MUST BOARD NOW, SO HURRY!!!"

Por graça divina, fiquei num assento no corredor (tudo que eu detesto é ficar espremido entre dois estranhos) e pude ficar um tanto mais tranquilo. Muito do luto do dia anterior já tinha se dissipado, mas a angústia ainda persistia, embora mais branda. Tentei relaxar porque sabia que ainda tinha mais pela frente. Mas não consegui.


Pós-viagem e landing

O voo de Miami pra Montreal durou três horas. Não consegui comer nem beber nada à bordo. Quando o avião pousou, já comecei a respirar fundo dali (se o oxigênio do mundo começar a rarear, podem saber que eu tenho parte nisso).

Preenchi o cartãozinho da alfândega que dão no país e ainda tentei ajudar uma senhora que só falava espanhol. Agora, vocês imaginam eu, com todo esse distúrbio psicológico ativado e ligado no 220, sem conseguir me comunicar em inglês e francês, e ainda tentando me fazer entender em portunhol. E olha que eu também tinha dúvidas quanto ao preenchimento do cartão: por exemplo, no campo de "endereço", eu colocaria o meu do Brasil ou o endereço no qual ia ficar no Canadá? Então não fui de grande ajuda, mas pelo menos dei minha contribuição ajudando a carregar as malas dela.

No guichê do controle de passaportes, outro parto. Garganta fechada, língua que quase não saía do lugar, lábios que mal se mexiam. Tinha que repetir as respostas mais de uma vez, e ia me sentindo pior com isso. Ela perguntou sobre o endereço que eu tinha colocado no cartão (o meu de Brasília) e eu expliquei que estava imigrando e que aquele era meu último endereço certo e conhecido. Ela perguntou se eu ia vendê-lo e eu disse que era dos meus pais. Ela disse que tudo bem, que se tinha gente morando lá ainda então tava valendo. Disse então que era pra eu mostrar esse mesmo cartão na saída da alfândega, depois de pegar a mala, e que eles me direcionariam ao lugar apropriado.

Peguei a mala, passei pela alfândega, o agente olhou o cartãozinho, perguntou "é imigração, né?" e me mostrou uma porta ali perto pra onde eu deveria ir. Peguei uma filinha com mais alguns guichês e, na minha vez, o agente pediu meu passaporte, o cartão e a confirmação de residência permanente. Me levou pra perto do guichê de câmbio, pediu pra eu deixar as malas lá, sentar numas cadeiras próximas a outros guichês e aguardar. Foi a parte que mais demorou e, ainda assim, foi coisa de 15, 20 minutos. Um agente de imigração finalmente me chamou, me cumprimentou e eu já fui dizendo que todas as línguas tinham sumido da minha boca, o que fez ele rir. Aliás, todos os agentes foram tranquilos. Se não foram extremamente sorridentes e agradáveis, foram, pelo menos, profissionais e cordiais. Ele pediu meu passaporte, meu CSQ, minha confirmação de residência permanente. Junto foi a lista dos meus bens, e ele perguntou o que era. Expliquei que eram os itens que eu estava trazendo e os que viriam depois, e ele falou então que iria anexá-las aos meus documentos para evitar que eu fosse tributado por esses bens. Fiquei feliz de ter incluído até algumas coisas de pouco valor, porque vai que, né?

Ele pediu também meu endereço, e eu passei o do amigo na casa de quem iria ficar. Preencheu uns formulários no computador, tirou cópias dos documentos, pediu pra eu assinar umas folhas e perguntou quanto dinheiro eu estava levando em espécie. Disse a quantia e falei que traria mais do Brasil depois, mas ele não quis saber. Me deu alguns livros e folhetos e me encaminhou pra salinha do Quebec, que fica mais ao fundo, para validar meu CSQ. Lá, tive um déja vu: a salinha é bem no estilo de repartição pública brasileira. Deu até saudade do trabalho (só que não). Uma senhora com sotaque obviamente estrangeiro me atendeu, me fez algumas perguntas sobre dados pessoais, pediu o passaporte, a confirmação de residência e o CSQ, e me falou sobre o NAS e a Assurance Maladie. Saí de lá com um horário agendado na Régie d'Assurance Maladie para quinta-feira, uma palestra sobre as primeiras etapas pós-landing para sexta-feira e uma semana de palestras referentes à integração. Ganhei meu bienvenu au Québec e finalmente fui liberado (não sem antes deixar o cartãozinho da alfândega com a última agente, perto da saída).

E lá estava eu, cansadaço, ainda travadaço, com uma dor de cabeça enorme por causa do estresse e da noite mal dormida, mas sem falta de ar e, enfim, livre pra recomeçar a vida. Como podem ver, foi tudo tranquilo, exceto por mim mesmo e a minha cabeça. Mas faz parte. Vamos ver o que o futuro traz!

À bientôt!

sábado, 14 de março de 2015

É hoje!!!!

Não sei nem como consegui dormir! Fiz as malas (mas toda hora tem uma coisa nova pra colocar) e estou uma pilha. Nem ficar pensando nas coisas boas que vou encontrar ajuda a aliviar o estresse.

Minha mãe já chorou hoje e eu, junto com ela. Ao longo do dia, com certeza vão rolar outros episódios assim com o resto da família. E vou te contar... é uma merda isso, viu? Você começa a se perguntar o que está fazendo, que aqueles de quem você gosta de verdade estão aqui, que você nem tem nada lá (ainda), então pra que passar por toda essa angústia e fazer tanta gente passar por isso junto com você...

Mas é o medo. É o temor da mudança, o frio na barriga causado pelo desconhecido. Isso tudo faz você questionar tudo o que você já questionou e para o que já achou as respostas. Mas vou te contar... nada disso torna mais fácil.

Só que é pra ir, não é? A gente vai e, se não der certo, não gostar, não aguentar, a gente volta, não é? Então tá (respira fundo).

O próximo post, se meu avião não sumir, será em terras canadenses. Então, boa sorte para quem ainda vai e até lá! E, para os que já estão aí no norte, segura que eu tô chegando!


sexta-feira, 6 de março de 2015

Entrando na reta final

Estou a pouco mais de uma semana de terminar de chutar o balde aqui no Brasil começar a jornada mais louca da minha vida e, por Odin.... essa ficha não cai!!!!

A bem da verdade, não dá pra dizer que estou do mesmo jeito que há um mês. Em fevereiro, pesquisei e fiz muitas coisas relacionadas à mudança, mas ainda era uma coisa láááááááá pro distante mês de março. Só que, agora, março chegou, já se instalou e está aqui, batendo o pezinho no chão e o dedo no relógio, dizendo: "VAMO, MEU FILHO!!" Então começam aqueles vários episódios de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC, para os íntimos), nos quais você checa os documentos 3 x (4N/X*15²) + 700, repassa a lista de medicamentos o mesmo tanto, corre para blogues de quem já fez o landing para ver se está esquecendo algo e, inevitavelmente, começa a se perguntar:



Eu sou a contradição em pessoa: tinha uma vidinha estável, salário na conta todo mês, meus maiores aborrecimentos estavam relacionados a como o serviço público está repleto de gente estúpida e só. Ao mesmo tempo, foi tudo isso aí (aliado a outras coisas) que serviu de trampolim para que eu iniciasse o processo de imigração. Ou seja, tenho várias características de pessoas que não gostam de rotina. Mas é só aparecer uma mudança na rotina e eu entro em pânico (ou quase). E aqui estou eu, a pouco mais de uma semana do embarque, já olhando pra remédios tarja preta e chamando-os de "amigos".

A melhor coisa que fiz até agora foi ter dado um tempo de "respiro" entre o fim da minha vida pregressa e o início da que vai começar. Foram três meses desde que saí de São Paulo e me mudei de volta para a casa dos meus pais. Isso me permitiu não só um porto seguro (e mordomias), mas também tempo e tranquilidade para lidar com as questões pré-imigração uma a uma. Estou podendo ler bastante, considerar cenários e tomar decisões com um pouco mais de embasamento do que se eu tivesse feito tudo às pressas, tipo pegar o visto e ir pro aeroporto. Eu já vinha fazendo pesquisas antes, mas muitos cenários mudam quando a gente tem uma janela de espera muito longa, então os três meses para mim foram realmente muito bem aproveitados.

Fechei o seguro-saúde ontem. Cotei com a Blue Cross, com a Manulife, com a GTA (piadas nerds!) e com outra cujo nome esqueci, mas acabei ficando mesmo com a GTA pelo preço (foi a mais barata) e pela possibilidade de poder pagar em real mesmo. Fiz pelo site, entrei em contato com um vendedor, depositei o dinheiro e eles emitiram o voucher, que já está comigo. Espero não precisar usar pra nada, mas, em todo caso, é o tipo de coisa que não dá pra arriscar, na minha opinião.

Outra coisa que eu não ia fazer, mas mudei de ideia aos 45 do segundo tempo, foi a minha Carteira de Habilitação. Eu não dirigi nunca durante todos os meus anos em São Paulo. Só usei transporte público e minhas pernas. Se eu já me estressava com o trânsito de Brasília, acho que teria cometido alguns homicídios com o trânsito em São Paulo. E eu estou tão desligado de carro, gasolina, IPVA e afins que minha carteira venceu em 2013 e eu nem tchum... daí quando notei a coisa, já aqui na casa dos meus pais, pensei, pensei e resolvi deixar pra tirar a carteira do Canadá, mesmo tendo que passar pelo processo todo. E assim ficou, até que eu lembrei que, em algum momento, li que, se você faz o processo para obtenção da carteira lá no Canadá, tem que ficar um ou dois anos dirigindo com uma espécie de carteira provisória e mais alguém que tenha a definitiva do seu lado. Agora, realiza eu, no Canadá, só podendo dirigir com alguém do meu lado por um ou dois anos? Acho que nem me daria o trabalho. Pra evitar isso, é preciso solicitar um documento do DETRAN, no qual conste o seu histórico como motorista. Se você apresentar isso lá nas Terras do Norte, aparentemente não precisa cumprir esse purgatório automobilístico.

Então, para evitar perrengues, resolvi renovar logo minha CNH aqui mesmo e pronto. Isso não só regulariza minha situação como motorista, como me dá mais 5 anos de documento válido (embora só nos primeiros seis meses eu possa usar a carteira para dirigir no Canadá - coisa que eu não vejo acontecendo, mas vá lá, eu nunca me imaginei morando pra valer em São Paulo e acabou acontecendo). O tal documento do DETRAN eu deixei pra ver quando eu resolver de fato virar o Sr. Volante em Montreal.

De forma que, ainda com muita pesquisa todos os dias e várias tarefas sendo concluídas aos poucos, entro na reta final com, basicamente, duas pendências: a lista de bens que vão comigo e a de bens que irão depois (ainda não sei quão detalhista devo ser... tenho 300 livros, tenho que listar um por um, com título, autor, número de páginas e quanto vale no Mercado Livre?), e a arrumação das malas. Já resolvi que vou levar pouca coisa logo de cara, pelo menos comparado a quem leva trocentas malas, mas, ainda assim, é preciso ver se o espaço e o peso estão dentro do esperado pra não ter surpresas.

É isso. Minha contagem regressiva já começou. Menos de dez dias. Momentos de calmaria. Momentos de ansiedade. Um medo do cão de tudo que vem pela frente. Será que isso acaba um dia?


À bientôt!

P.S.: e esse dólar que está batendo em Marte???

segunda-feira, 2 de março de 2015

Encontro de imigrantes e De Volta para o Futuro

Nesse último fim de semana, teve um encontro de imigrantes aqui em Brasília! Eu gosto bastante desses encontros, porque é uma maneira não só de conhecer gente nova, mas de conhecer gente que viveu, está vivendo ou vai viver coisas semelhantes as que estou vivendo agora. A gente se vê um pouco em quem está nos primeiros estágios do processo e também naqueles que estão alguns passos à frente nessa caminhada da imigração. Conheci pessoalmente o Filipe, do blogue Dream on Canada, e a Agnes, do Coxinha Resfriada. Gente boa, como todos os que foram e que espero rever em breve!

Além desse, outro evento marcou meu dia de uma forma que eu nem suspeitava. Como bom nerd que sou, não podia perder a oportunidade de ir assistir "De Volta para o Futuro" no cinema! Sim, já vi o filme inúmeras vezes, já decorei todas as falas em inglês e na dublagem da Sessão da Tarde da década de 90, mas não me canso de assistir! E, me diz, como é que eu ia perder a chance de ver o filme na tela grande, já que eu não assisti na estreia original em 1985 porque, bem, na época os únicos filmes que eu tinha condições de acompanhar - e olhe lá! - eram os dos Trapalhões!




Então, combinei com alguns amigos, além da minha irmã. E os olhos brilharam ao ver o "Steven Spielberg presents" no início, os pelos do braço se eriçaram quando o Marty McFly acelerou o DeLorean para fugir dos terroristas líbios rumo ao passado ao som da inesquecível trilha sonora, sorrisos iam e vinham ao ver os pequenos detalhes que alterariam os eventos do futuro/presente do personagem... e quando a banda começou a tocar "Earth Angel" no baile em que o Marty estava tentando de tuuuuudo pra fazer os pais se apaixonarem e, com isso, assegurar sua existência, eu me dei conta que eu não podia estar em melhor companhia: minha irmã, que me acompanhou na infância e grande parte da adolescência como uma sombra, minha amiga de muitas e muitas horas, boas e ruins, que serviu de atriz principal para as minhas filmagens improvisadas com a filmadora do meu pai, que se empolgava com filmes, gibis e vídeo games basicamente porque me via empolgado com eles. Ali estava eu, com ela, sentados lado a lado, comemorando os 30 anos de um filme que sempre está nas minhas listas cinematográficas, que sempre esteve presente na nossa infância e adolescência. E me dei conta, também, que aquele momento já era uma espécie de despedida. Despedida da infância, da adolescência, e desses momentos em que a gente compartilha algo que, às vezes, só tem grande peso e importância pra gente mesmo, que só a gente consegue sentir, mas que faz com que a gente se sinta mais vivo e grato por tudo.

Então, não tive dúvidas: quando o Doc Brown subiu à Torre do Relógio para tentar religar os fios que tinham se soltado, e enquanto o Marty disparava com o DeLorean pela rua, correndo contra o tempo (paradoxos de um filme sobre viagem no tempo) para tentar estar no local e momento exatos para tentar voltar para casa, passei o meu braço pelo da minha irmã e acompanhamos tudo ainda mais próximos, como se estivéssemos vendo pela primeira vez. Coração disparados, pelos eriçados mais uma vez, o sorriso de quem sabe exatamente o que vai acontecer, mas não consegue deixar de se empolgar. Quando o raio atingiu o relógio da torre, o circuito se fechou - e também uma parte do meu ciclo com a minha irmã.

Saímos do cinema felizes da vida, voltamos para casa comentando detalhes que passaram despercebidos nas inúmeras Sessões da Tarde e outros que só vemos mesmo com a idade  a experiência. Ela não sabe o quanto aquilo significou pra mim, mas agradeci muito a ela e a tudo e todos os responsáveis por permitirem eu m despedir da minha irmã de um jeito tão único, tão próprio, tão nosso.

Te amo, irmã. Distância não é nada. Para onde quer que sigamos, não precisaremos de estradas.

À bientôt!