quinta-feira, 28 de maio de 2015

O Curso de Inglês da McGill - Parte II

No post anterior, falei um pouco do meu objetivo, das expectativas e das primeiras impressões em relação ao curso de inglês que estou fazendo na McGill. Agora, vamos chamar o Jack e destrinchar em partes minha avaliação após quase quatro semanas de curso.

Nível da turma

Se você leu os posts anteriores relacionados ao curso, sabe que fiquei super feliz (embora surpreso) quando fui classificado no nível avançado, não só por constatar que meu inglês talvez não estivesse tão ruim assim, como também pela economia que eu faria. Vim pra cá pensando que talvez precisasse cursar uns quatro níveis do programa da McGill, então economizar a grana de dois módulos realmente me aliviou financeiramente.

Quando comecei na turma, achei que seria um dos alunos com nível mais macarrônico. Afinal de contas, terminando esse curso você já cumpre o requisito de idioma para ingressar na graduação, mestrado ou doutorado na McGill. Então, poxa, o que você espera? Que o nível avançado seja fodasticamente difícil e que as pessoas ali recitem Shakespeare enquanto dormem, né?

Só que não é bem assim.

Eu comentei que meus colegas de turma vêm de várias partes do mundo. Então, é claro que todos têm sotaque (inclusive eu), uns mais fáceis de entender, outros mais difíceis. Se o problema fosse o sotaque, tudo bem. Mas gente... há pessoas na minha turma que mal conseguem terminar uma frase quando abrem a boca. Não são a maioria de forma alguma, mas existem essas pessoas. A grande parte da turma começa uma frase e tem de recomeçar porque não sabe concluir. Fazem vários errinhos de concordância, tempo verbal, uso de artigos e pronúncia. Na escrita, a coisa é pior: não só erros de ortografia, mas de coerência, lógica e estrutura. Ouvi a professora da tarde perguntar pra pelo menos dois alunos se eles não se sentiriam melhor num nível mais baixo. A resposta, claro, é não. Afinal de contas, se eles foram aprovados nos níveis anteriores, por que raios teriam de regredir, não é? No meu caso e no do quebeco, por exemplo, como é a nossa primeira sessão, poderia até ter havido um erro de avaliação. Afinal, os avaliadores são humanos e eles têm, basicamente, um texto de algumas linhas  e uma conversa de, em média, 10 minutos com o aluno. Então poderiam ter cometido um engano. Mas quando o aluno já faz aula na escola há um tempo, é passado adiante e chega no nível avançado sem conseguir se expressar... difícil não achar a avaliação dos professores em sala deixa a desejar.

Fora isso, a turma é show! Nunca me imaginei dando risada com um iraniano de 40 anos (a média de idade parece estar em algum lugar ali pelos 25, 26 anos, mas tem um punhado com mais de 30), apresentando trabalho com uma vietnamita, ouvindo um pouco de história do Oriente Médio por meio de uma libanesa ou sendo comido vivo com os olhos por uma equatoriana. E, com gente com nomes como Rola, Porras e Aladin (eu juro!!!), não tem como você não dar umas risadas.

Nível das Aulas

Contrariamente ao que se poderia esperar, dado o nível da turma, o das aulas é diferente. Dá pra dizer que o módulo avançado realmente tem conteúdo avançado. Embora os professores tenham excelente dicção e falem pausadamente (o que facilita a opinião de qualquer um), eles falam sem parar. Então, se a sua compreensão não é lá muito boa, você pode se perder ou deixar de notar alguns detalhes. Já teve gente que deixou de entregar tarefas e trabalhos porque entendeu mal as datas ou não tinha entendido que era pra imprimir levar fisicamente em vez de mandar por e-mail.

Da mesma forma, não deixam passar nada na escrita. Comeu uma letra, errou o tempo verbal, trocou ripe por rape (aconteceu! Eu juro, de novo!!), pimba! Vai ter pontinho descontado. Se vai apresentar um trabalho oral e fica claro que você não domina o assunto e tem dificuldade para se expressar com as suas palavras, toma mais desconto. Há leituras com nível acadêmico para serem feitas, e trabalhos em que a escrita acadêmica é exigida. Em suma, a turma, no geral, pode estar mais no nível intermediário, mas o conteúdo do módulo realmente está mais pra avançado.


Professores

Como falei no post anterior, tenho dois professores. O professor da manhã cuida mais da parte escrita, enquanto a da tarde foca mais na parte oral. 

Eu tenho sentimentos confiantes em relação ao professor da manhã. Achei ele um tanto perdido nos primeiros dias. Não perdido no sentido de não saber o conteúdo ou como usar o projetor, mas, sim, no sentido de já estar fazendo a mesma coisa há tanto tempo que ele esquece que, pra turma, muita coisa é novidade. Então foi bem comum vê-lo começando a falar de uma coisa como se a gente já soubesse, daí ele perceber que ninguém estava acompanhando o que ele estava dizendo e aí ele se dar conta que não tinha de fato explicado nada. Isso desapareceu na segunda semana, mas foi um tanto desestimulante.

Esse professor faz o tipo sério e rígido. Dificilmente faz alguma piada e está 100% do tempo focado no conteúdo que precisa passar e no desempenho dos alunos. Ele não tem medo de chamar a atenção de um aluno individualmente ou da turma como um todo. Semana passada, chegou a dizer na lata que ele via muitos alunos ali que não tinham nível para ir para a universidade, tanto pelo nível de inglês como pelo de responsabilidade. Por outro lado, ele está sempre disponível para ajudar. Se você manda um e-mail, em geral ele responde depois de algumas horas. Se você precisa discutir algo com ele, ele marca um horário na sala dele ou abre um espaço na agenda de forma que facilite a sua vida. Ele realmente se dispõe a ajudar, mas ele segue o que parece ser o estilo norte-americano de ensino: ele passa o básico, o aluno vai atrás do resto e, se tiver dúvida, volta ao professor. Não tem essa de ficar correndo atrás do aluno e dizendo o que ele precisa fazer.

A professora da tarde é mais light em certos aspectos. A aula dela é sempre mais informal, ela faz piadas, procura estimular todo mundo a falar levantando temas polêmicos ou simplesmente pedindo a opinião. Corrige pacientemente cada erro de pronúncia, encoraja os alunos a reformular as frases ou sugere alternativas, tudo de um jeito que não tem o peso da palavra "erro". Ainda assim, experimenta chegar atrasado(a) na aula dela ou deixar de entregar um trabalho no prazo! Toda a ternura de vovó que faz bolo de fubá desaparece, e a mulher consegue fazer você se sentir cocô de mosca só com um olhar e duas ou três palavras. É de dar pena de quem está nessa situação.

Em suma, os dois são bastante competentes e responsáveis, sabem bastante sobre a língua e também como transmitir. Com uma turma em nível adequado, com certeza poderiam fazer bem mais, mas aí já não é com eles.

Volume de trabalho

Todos os dias de todas as semanas têm atividades em sala e para fazer em casa. Podem ser exercícios de vocabulário, gramática, vídeos para assistir, transcrições para fazer, leituras para fazer, parágrafos para escrever... enfim, tem de tudo. Eles ocupam um bom tempo dos horários de aula e um bom número de horas depois (varia de acordo com o dia e a semana, mas eu diria que pelo menos duas depois do curso são necessárias todos os dias para fazer tudo).

Fora isso, toda semana tem, pelo menos, um "grande" trabalho para ser entregue, com regras, prazo, notas e o pacote todo. Na primeira semana, tive que assistir o vídeo de uma palestra gravada e fazer uma resenha crítica dela. Na segunda, pude escolher uma palestra e fiz o mesmo, mas, dessa vez, em sala de aula (a primeira, mandamos por e-mail). Além disso, tive que fazer uma apresentação oral de 15 minutos sobre um tema que eu quisesse (falei sobre o Brasil, mas NÃO, não falei de samba, praias, carnaval, futebol, nem bossa nova).

Ainda na segunda semana, tive que ler um artigo escolhido pela professora e explicá-lo a um grupo de pessoas. Essa atividade foi gravada com um aparelho para a professora poder escutar fora da aula (depois, os arquivos são disponibilizados no site da McGill para os alunos escutarem e perceberam os erros indicados na ficha de avaliação). Na terceira semana, tive uma atividade semelhante: tive que ouvir um programa de rádio (sem transcrição) e contar a outro grupo de pessoas do que se tratava, tudo com as minhas palavras, e dar a minha opinião no final (tudo gravado também).

Esta semana, tive as apresentações em grupo. A primeira foi uma explicação de uma seção de gramática da língua inglesa. Fiz essa apresentação com o quebeco. A segunda foi a apresentação de uma palestra que assistimos. Eu, o quebeco e o japonês da turma tivemos que resumir as informações e apresentar nossa opinião sobre o tema da palestra e a posição do palestrante. A terceira, que foi hoje, inclusive, dizia respeito a um estilo musical (de livre escolha) e sua relação com a sociedade. Fiz com o quebeco e a vietnamita da turma e, por milagre divino, nenhum dos dois é obcecado por música - assim como eu, pra falar a verdade. Eles deixaram pra eu escolher, e então, obviamente, puxei a sardinha para o meu lado: falamos sobre trilhas sonoras de filmes e video games! Não sei ainda a opinião da professora, mas eu adorei fazer esse!

Para a semana que vem, sei que terei que gravar um podcast, mas ainda não tenho detalhes. E, para a última semana, o projetão final: uma pesquisa séria, usando artigos acadêmicos como fonte, sobre um tema de livre escolha. O trabalho deve ser todo formatado com o padrão utilizado em boa parte das universidades da América do Norte, e tem todo um procedimento a ser seguido. O objetivo é familiarizar os alunos com o tipo de trabalho que eles vão encontrar na faculdade. Ainda na última semana, esse trabalho deve apresentado oralmente para os dois professores.

É, amigo, não tem the book is on the table por aqui não!

Instalações

A unidade da McGill onde os cursos são dados são realmente um primor. Projetores e sistema de som em todas as salas, aparelhos para uso de alunos e professores (como os gravadores), laptops, mesas e cadeiras confortáveis, climatização que não deixa você passar frio ou calor, microondas para você esquentar sua marmita... enfim, toda uma gama de comodidades para tornar a sua vida mais agradável, já que, fazendo esse curso, você passa boa parte do dia lá.

Fora isso, há laboratórios de línguas que fica à disposição dos alunos. Neles, além de praticar a pronúncia e treinar os ouvidos, você pode também fazer os trabalhos que são pedidos em sala. Todos os programas necessários estão lá, e o acesso à Internet é ilimitado. Há também uma "clínica" de pronúncia, destinada aos alunos que têm dificuldade para pronunciar certos sons, e um laboratório de texto, voltado para quem tem dificuldades para escrever. Para essas duas últimas, contudo, você precisa ser "recomendado" pelos professores (ou seja, se você é escalado para essas aulas, é porque o negócio tá ruim).

Como aluno do curso de inglês você também tem acesso à biblioteca da faculdade. Nem sei quantas tardes (e noites!) já passei lá desde que o curso começou! Eles te levam pra uma sessão de orientação, de forma que você aprenda como usar a biblioteca, o que precisa fazer para pegar um livro emprestado, como fazer uma pesquisa sobre determinado assunto e outras coisas. Além disso, você também tem acesso aos sistemas da universidade. Tudo é explicado na primeira semana e você sempre tem a quem perguntar, em caso de dúvidas.

E aí, tudo isso tá te servindo de alguma coisa?

Muito! Como falei no post anterior, eu me inscrevi no curso com o objetivo de me destravar, de ganhar mais confiança e não ter medo de falar com as pessoas inglês. Eu posso dizer honestamente que, ao final da primeira semana, eu já estava todo desbloqueado (sinal de que a trava é mais psicológica que linguística). No meu segundo dia, já criei coragem para ligar para o provedor de internet e contratar o serviço. Já fui parado não sei quantas vezes para dar informação na rua e, mesmo de supetão, consegui me expressar numa boa. Já bati papo com estranhos, fiz pedido em restaurante tailandês e telefonei para central de suporte técnico. Enfim, embora eu sempre vá ser um não-nativo e sempre vá esbarrar com palavras, expressões ou gírias que nunca vi antes, posso dizer que não senti nenhuma carência em relação ao inglês nas últimas 3-4 semanas. O que não quero que seja entendido como "estou me gabando" e, sim, como "que alívio que esse bloqueio sumiu".

Enfim, embora eu não possa falar sobre os outros níveis do curso de inglês da McGill, posso dizer agora que o avançado deles realmente dá pra ser encarado como avançado. O fato da minha turma, em média, estar no nível intermediário não chega a me atrapalhar, até porque alguns ali são, de fato, alunos avançados. Enfim, como em qualquer curso, há coisas boas e ruins, e aí acho que depende mais do objetivo de cada um saber se vale mais a pena fazer um curso assim.

Se alguém tiver dúvidas sobre esse curso, pode deixar nos comentários ou me mandar por e-mail.

À bientôt!

sábado, 23 de maio de 2015

O Curso de Inglês da McGill - Parte I

Um tempo atrás, escrevi um post contando que tinha entrado no curso de inglês da Universidade McGill. Ontem terminei a terceira semana (de um total de seis) do módulo em que estou matriculado, e só não escrevi antes porque, primeiro, queria dar uma opinião com mais substância (e não dá pra fazer isso com um ou dois dias de aula); segundo, estava sem internet no apartamento e dependia das bibliotecas pra usar wi-fi; e, terceiro, os trabalhos do próprio curso deixavam pouco tempo livre pra eu usar a internet para postar.

Mas eis que surge, radiante e belo (aí, hein, pai??), a minha opinião sobre o curso que estou fazendo! Não custa lembrar que é a minha opinião, sem embasamento científico e que não constitui verdade universal, ok?

Nível

O curso da McGill está dividido em oito módulos: dois elementares, quatro intermediários e dois avançados. É preciso fazer um teste de nivelamento para que determinem o seu nível. Eu fiquei no avançado. A questão do nível avançado é que ele é composto por dois módulos (A e B), mas você pode cursá-los em qualquer ordem. O Avançado A tem uma pegada mais acadêmica, enquanto o B é mais direcionada para o lado profissional. De qualquer forma, pra conseguir o certificado de proficiência, é preciso fazer os dois módulos, independente da ordem. Eu optei por começar pelo módulo acadêmico.

Então, infelizmente não sei falar nada sobre os níveis elementares e intermediários, exceto que exigem um conhecimento básico prévio do idioma pra você entrar mesmo no primeiro nível do curso. Mas não sei exatamente o que seria esse "conhecimento básico prévio", porque... bom, acho que vai ficar mais claro ao longo da postagem.

Objetivo e motivação

Meu objetivo principal não era aprender present perfect ou as regras para se dobrar as consoantes de verbos no gerúndio ou particípio. Resolvi fazer o curso porque eu queria destravar! Se você aí, caro(a) amigo(a) leitor(a), passou os olhos pelos meu posts sobre a chegada e os primeiros dias, deve ter notado que eu mencionei como as frases vinham bonitinhas à minha cabeça, mas eu não conseguia colocar pra fora. Ansiedade, complexo de inferioridade, angústia e outros companheiros que só Freud mesmo.



E por que a McGill? Falo de novo, não tem problema. Porque é uma universidade muito bem conceituada não só no Canadá, mas em rankings internacionais. Tá certo que o curso de inglês não deve ter nada a ver com esses rankings, mas é aquela coisa de confiar mais em quem já tem fama de fazer o negócio certo. Outro ponto é que a McGill aceita o certificado desse curso como prova de competência linguística para ingresso nos cursos de graduação e pós. Ou seja, em tese o troço é tão bom que eles dão a cara a tapa e dispensam outros testes (como TOEFL e IELTS). Além disso, algumas pessoas que eu conheci aqui e que fizeram ou estão fazendo o curso lá recomendaram fortemente. Então, né, gente? Quer mais o quê? Cobertura de caramelo?

Primeiros dias

Eu estava feliz que nem pinto no lixo com a ideia de voltar para um curso, mesmo sendo de inglês, algo com que tenho contato desde a época do guaraná com rolha. Então fui que nem o Emo-Aranha pro prédio da McGill onde seriam minhas aulas.



Já lá dentro, procurando a sala, captei uma conversa de corredor em que dois colegas de curso se reencontraram. A menina disse pro cara que ela não ia estudar com ele porque tinha sido reprovada e ia refazer o nível que eles tinham cursado juntos na sessão de inverno.

"Cristo Rei", pensei, já sentindo o esfíncter dar aquela mexida, "o povo é reprovado por aqui! Não é pagou-passou!"

O que, na verdade, me deixou ainda mais feliz, mas fez eu pensar que eu provavelmente seria um dos mais Uga-Buga da turma na hora que abrisse a boca para começar a falar. Mas já tinha saído na chuva, né, então se molhar era inevitável.

Achei minha sala e sentei na primeira cadeira vaga que vi. Já havia algumas pessoas na sala, mas todo mundo concentrado no seu mundinho (o celular). Dali a um tempo, o professor chegou, se apresentou e aí fez algo super diferente e inovador: pediu pra todo mundo se apresentar e contar um pouco da sua história. Tá certo que, na verdade, ele dividiu a gente em grupos para que conversássemos entre nós e, depois, apresentássemos uma pessoa do grupo. Caí com uma francesa que não queria papo nenhum, então só consegui arrancar dela que se chamava Camille, e isso quase tendo que pagar 10 moedas de ouro canadenses pra ela abrir a boca.

Ótima deixa para eu falar do quesito "variedade cultural" da sala de aula. Somos 22 alunos no total. Há três francesas, duas venezuelanas, uma equatoriana, duas mexicanas, dois chineses, uma vietnamita, um japonês, uma congolesa, um mauriciano, um saudita, uma camaronesa, um iraniano, uma libanesa, um líbio, uma sul-coreana e um quebeco (uia!), além do brasileiro aqui. Achei isso sensacional! Me amarro em ter gente de todos os cantos, porque ajuda a desconstruir estereótipos e você passa a enxergar as pessoas não como nacionalidades, mas como... pessoas. Já no primeiro dia, me aproximei do japonês e do quebeco (ou eles se aproximaram de mim, melhor dizendo, falando que meu sotaque era britânico), e o quebeco virou meu "melhor amigo" de sala de aula. Nunca imaginei que conheceria um quebeco assim tão rápido, e muito menos que ele fosse virar meu parceirão de sala de aula. Já li tantos relatos sobre a frieza dos canadenses/quebecos que eu não estava contando com nada como o que aconteceu. Eu e ele só não falamos mais bobagem e damos mais risada porque só ficamos seis horas dentro da escola. Claro que eu sei que só vai durar enquanto estivermos no curso, mas, ainda assim, foi uma surpresa pra mim.

Mas voltando. Ainda no primeiro dia, tivemos que fazer uma pequena redação para que o professor pudesse avaliar nossa escrita. Somos avisados, no dia do teste de nivelamento, de que nosso nível pode ser alterado se o professor julgar que o aluno está mais forte ou mais fraco do que o nível em que foi classificado. Ninguém saiu dali. Conclusão lógica: todos escreveram bem. Guardem isso.

Aí veio a primeira parte das letras miúdas do curso: as tardes de segunda e sexta são para o que eles chamam de "Guided Studies", um período que, teoricamente, os alunos devem usar para tirar dúvidas com os professores, trabalhar nos projetos que são desenvolvidos, usar o laboratório de línguas, enfim, estudar e praticar por conta própria. Na prática, é uma carta de alforria pra você ir pra casa, encher a cara, fazer compras, se harmonizar com Gaia, ou o que quer que você faça quando sobram algumas horas no dia. Eu tenho sentimentos conflitantes quando a isso. Por um lado, se você é um estudante dedicado, você vai fazer bom uso disso. Os professores ficam por lá, você pode ir conversar com eles, tirar dúvidas, pedir orientação, tem biblioteca que você pode usar, enfim... os recursos estão lá. Por outro, o curso é vendido como tendo 25 horas de contato por semana com os professores. Se você desconta as tardes de segunda e sexta, isso cai pra 20 horas. Então não está lá muito certo falar em 25 horas, sendo que isso praticamente não vai acontecer. Particularmente, tendo terminado a terceira semana, eu dou graças a Deus por ter essas tardes "livres" porque às vezes fico mega-ultra-atarefado com os trabalhos do curso. Mas, ainda assim, fica aquela pontinha de que eles vendem um peixe que não é assim tão fresco.

No segundo dia, o curso começou pra valer, com leituras, exercícios, discussões e coisas do tipo. Passaram o cronograma dos trabalhos, projetos, o valor que cada um teria na nota final, explicaram sobre as páginas da intranet da McGill a que temos acesso, o que é possível fazer nelas, como enviar trabalhos pelo sistema da universidade, informações sobre a carteira de estudante da McGill, etc. A turma mais entrosada, todos conversando um pouco com todos, o povo falando que meu sotaque era legal (!)... Cada módulo tem dois professores, um que fica pela manhã e, em geral, cuida mais da parte escrita, e outro que fica à tarde, que cuida mais da compreensão e expressão orais. Como não tivemos aula à tarde na segunda por causa dos tais "Guided Studies", só conhecemos a professora da tarde na terça. Dá-lhe apresentação de novo, todo mundo falando o nome, de onde vem, porque está ali e por aí ai. Chega a minha vez, repito minha história, e o comentário que ela faz em seguida foi esse:

- Estou achando muito interessante ouvir o seu sotaque. Deixa eu adivinhar: é australiano? Sul-africano?

No que metade da turma caiu na gargalhada e a outra começou a falar: "é britânico, é britânico!". A professora quis saber de onde vinha o raio do sotaque, e eu disse que, até dois dias antes, a única coisa que eu sabia é que eu tinha sotaque brasileiro. Falei que tinha estudado inglês em diversas escolas de idiomas, algumas mais voltadas para o inglês norte-americano, outras mais para o britânico, mas que, pra mim, era o sotaque brasileiro que aparecia mais, provavelmente misturado com a salada de sotaques que ouvia em sala de aula. Ela disse que não, e que eu poderia enganar as pessoas! Eu juro que não sabia onde enfiar a cara, e o povo da turma não ajudou: começaram a me chamar de "Australian guy" e de "my lord" (mas, graças aos céus, isso só durou alguns dias).

Eita, que o post já tá comprido e eu ainda nem tô perto de acabar! Então vou parar por aqui e continuo no próximo, ok?

À bientôt!

Clique aqui para ler a parte II!

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Jogging (ou "corre, neguinho!")

Você vê como são as coisas, né? O cidadão aqui sempre teve alergia a esforço físico, esportes, esse tipo de coisa. Quando era criança, eu achava que eu queria ser os heróis de filme de ação, sempre correndo, pulando, dando socos e pontapés, tudo isso enquanto ganhava umas cicatrizes legais no processo. Só que, depois de um tempo, descobri que eu não nasci pra ser esse tipo de cara: meu negócio é ser o amigo nerd com o computador. Sabe aquele gordão sentado dentro de uma van com uma parafernália tecnológica, checando dados ou imagens num laptop, com um fone de ouvido com microfone embutido, passando as dicas pro herói enquanto se lambuza com pizza? Então, aquele sou eu :)

Então, foi com grande surpresa e medo de estar sendo possuído que me dei conta que eu estava sentindo vontade de... correr (ou praticar jogging, como chamam por aqui)! Pois é, vejam só! Não sei se é porque o visual aqui é tão legal (com a primavera realmente instalada, a cidade ganhou outros ares), ou se é porque sempre vejo pessoas fazendo alguma atividade física, mas o fato é que fui contaminado pela vontade de ir fazer... bem... esforço físico.


E chutei logo o pau da barraca! Alguém com juízo iria começar dando a volta no quarteirão de casa, terreno plano e tudo aquilo que torna a experiência menos traumática. Eu resolvi começar subindo o Mont Royal pra correr numa das trilhas e estradinhas que existem por lá. Só os lances de escada que subo pra chegar lá em cima deixam qualquer sedentário chorando no chão e clamando pela mãe. Quando você chega no topo, contudo, tem toda aquela sensação de realização ("consegui!) - isso, claro, até você ver que, enquanto você está com aquele meio sorriso débil na cara, algo entre um bocejo e um AVC, tem gente subindo as escadas de três em três degraus com uma bicicleta nas costas. Aí você volta a chorar e chamar a mãe.

Enfim, com o esforço de subir as escadas, eu senti que podia ser desculpado de correr. Podia descer, ir embora e pronto! Mas o negócio é que, uma vez que eu já estava lá em cima, por que não aproveitar e ver o que dá pra fazer? Então vamos lá! Tomei uns golinhos d'água, fiz umas poses de grande atleta e acionei o aplicativo que tenho no aiPode pra marcar distâncias, calorias e todos esses palavrões.

Avança a fita (óia o véio se entregando!) para o final de tudo. Não é que consegui? De acordo com o meu aplicativo, corri aproximadamente 3 Km em aproximadamente 15 minutos! Nada mal para uma batata rolante quicando pela primeira vez, né não? O mais legal foi que quase não vi o tempo passar (mentira: teve uma hora em que achei que o fim da estrada estava logo depois de uma curva. Não estava, e eu pensei que ia enfartar antes de ver a cidade novamente). Deu pra me distrair com o visual, com as pessoas passando e com os buracos no chão pelo caminho.

De lá pra cá, já fui  mais cinco vezes. Resolvi começar correndo só três vezes na semana e manter assim durante algum tempo até o meu corpo se acostumar. Sem estresse, sem aquela história de quebrar recordes, se superar ou coisas do tipo. Mas o legal é que realmente, por mais difíceis que alguns dias tenham sido, não tenho sentido vontade de parar.

Será que um novo país ou uma nova cidade realmente podem transformar a gente?

À bientôt!

terça-feira, 5 de maio de 2015

Meu primeiro apartamento (alugado) em Montreal



...um imigrante brasileiro recém-chegado a Montreal que, por graça divina, podia contar com um amigo para passar os primeiros dias nas Terras do Norte. Aliás, segundo ele, eu podia ficar os primeiros meses, se quisesse. A gente se conheceu quando estudava francês, e ele já havia obtido o CSQ, enquanto eu estava tentando juntar as famosas 150 horas (na época em que isso ainda existia).

Enfim, esse meu amigo foi uma alma extremamente generosa! Não mantivemos um contato constante  depois que nos separamos no curso de francês, mas, quando falei que o processo finalmente tinha terminado e que eu viria em março, ele prontamente se ofereceu para me hospedar. Eu confesso que fiquei um tanto relutante porque detesto dar trabalho ou incomodar os outros. Considerei um bom tempo alugar um apartamento do Studio Meublé ou um do Airbnb, mas, no fim, com ele insistindo pra valer, acabei aceitando. Fui e sou extremamente grato, porque ele me deixou à vontade não só para fazer a casa dele como minha como me ajudou e deu dicas em relação a várias coisas. Realmente, quando você pode contar com a experiência de quem veio antes, várias coisas deixam de ser assombrosas. Então deixo aqui registrado meu agradecimento incondicional.

Mas, porém, contudo, todavia, entretanto... como disse antes, não gosto de incomodar, e não queria bancar o folgado e ficar no sofá como se não houvesse amanhã. Então já na minha primeira semana aqui, tratei de começar a procurar apartamento. Meu amigo, inclusive, se ofereceu e foi comigo dar uma olhada nos primeiros, e me passava algumas coisas nas quais eu deveria ficar de olho. E ele servia de parâmetro também em relação aos preços, já que podíamos comparar com o que ele está pagando de aluguel.

Aí veio a semana do Objectif Intégration e eu fiquei sem tempo algum para olhar apartamento. Os que eu tinha olhado na primeira semana eram legais, mas um tanto acima do que eu estava querendo pagar neste primeiro ano. Resolvi mirar nos studios (a nossa boa e velha quitinete, ou o 1 1/2 dos quebecos francófonos), porque, morando só, ainda tomando um rumo na vida, realmente não tenho necessidade de nada muito grande. Encontrei uma quitinete pertinho da McGill, mas tinha dois inconvenientes pra mim: primeiro, era no térreo (que, pro pessoal daqui, é o primeiro andar); segundo, o apartamento ficava no caminho pra lavanderia do prédio, de modo que sempre tinha gente transitando por ali - e eu gosto é de sossego.

O prédio pareceu legal, bem localizado, mas fiquei em dúvida e resolvi esperar um pouco mais. E, finda a minha segunda semana, voltei a procurar. Aqui funciona mais ou menos assim: você pode procurar anúncios no jornal ou internet, ligar, fazer as perguntas pra saber o que quiser e marcar uma visita; ou você pode simplesmente ir andando, entrando nos prédios e perguntando se há algo disponível. Muitas imobiliárias possuem escritório ou representação nos próprios prédios dos quais são donas, então isso facilita na hora de procurar. Mas vou te falar: eu não encontrei muitas pessoas simpáticas, não. Não fui destratado nem me fizeram perguntas absurdas, mas era difícil encontrar alguém que pelo menos fingisse estar ali pra te atender bem. O povo parece que acorda com uma prisão de ventre barba!

Falando em perguntas, basicamente queriam saber se eu tinha histórico de crédito. Eu já falava de cara que tinha acabado de chegar e que, por isso, era perda de tempo levantar histórico porque eu não teria nada lá. Teve um senhor de um prédio pra quem eu perguntei qual tipo de garantia ele pedia. E ele falou: "você tem dinheiro no banco?". Falei que sim e ele disse que era tudo que ele precisava saber ali. Aí eu pressionei e ele disse rispidamente: "primeiro você assina a proposta e aí a gente discute o que você vai dar como garantia pra nenhum de nós dois perder tempo". Aí eu subi o tom também e disse que eu estava perguntando sobre a garantia justamente para que a gente não perdesse tempo, porque se eles quisessem algo que eu não poderia dar, eu já descartaria aquele apartamento. Depois disso, ele baixou o tom e até sorriu, vejam só. Mas não assinei proposta nenhuma, já que o apartamento - de novo - estava acima do valor que eu queria.

E foi assim durante a terceira semana toda. Eu olhava apartamentos na internet ou anotava o número de telefone de imobiliárias, ligava ou ia pessoalmente e via o que estava disponível. Até que resolvi voltar ao prédio da quitinete que eu tinha gostado (exceto por ser no andar térreo) e ver o que mais estava disponível lá. Da primeira vez, tratei direto com a inquilina que estava passando o apartamento pra frente, mas dessa vez falei com a imobiliária direto. Marquei um horário para o dia seguinte e fui lá pra ver o que eles tinham. E foi assim que achei minha quitinete :)

Depois de fazer a visita, fazer as perguntas e considerar o orçamento, mandei um e-mail para a imobiliária dizendo que estava interessado e perguntando o que eu precisava fazer em seguida. Me responderam no dia seguinte com o formulário de proposta de locação. Essa proposta é semelhante à que fazemos no Brasil, mas, ao contrário de lá, aqui a proposta tem validade jurídica. Ou seja, se você assina uma proposta e o proprietário do imóvel te escolhe para ser o inquilino, a proposta já é um compromisso formal. Então, cuidado para não sair assinando propostas por aqui como se você um documento sem importância, porque você pode acabar legalmente responsável por meia dúzia de locações!

Preenchi o formulário, anexei os documentos que pediram (basicamente, cópia do passaporte e comprovante de fundos. Usei um extrato da minha conta aqui - e olha que ela tá pobrinha - e outro da conta do Brasil, sem tradução nem nada). No dia seguinte, me retornaram por e-mail dizendo que minha proposta tinha sido aprovada e que eu podia marcar um horário para ir assinar o contrato. Nem acreditei! Simples assim? Respondi o e-mail e, no dia e hora marcados, fui lá.

O contrato é o padrãozão daqui. Você pode encontrá-lo à venda em vários lugares, mas é o proprietário que se encarrega de obtê-lo. Junto com esse documento, às vezes vêm também uma folha com as normas do prédio, serviços oferecidos e outras coisas, como cláusulas extras que não estão cobertas pelo contrato-padrão. O contrato possui campos e até quadradinhos pra você marcar! Por exemplo, em uma determinada seção, há a seguinte afirmação: "o imóvel será locado apenas para fins residenciais". Aí, na frente, tem os quadradinhos com as opções "sim" e "não". Então, preencher um formulário desses é quase como fazer prova de escola. Tem espaço e quadradinhos para número de cômodos, eletrodomésticos que fazem parte do imóvel, quem ficará responsável por pagar água, luz, calefação, etc, etc, etc.

A moça que me atendeu repassou o contrato comigo, e aproveitei para tirar mais algumas dúvidas que surgiram na hora. Depois de tudo certo, assinei o contrato, e ela disse que me avisaria quando a minha via estivesse pronta. Ela pediu para eu fazer o depósito do primeiro mês (o único depósito legalmente aceito por aqui. Mais do que isso é ilegal, mas um monte de gente faz), mas confesso que o meu desconfiômetro brasileiro ficou ligado e eu só fiz o pagamento depois de receber a minha via do contrato (o que aconteceu só uma semana depois).

Com tudo certo, fiquei apenas esperando para ver se dava sorte e conseguia me mudar antes do dia estipulado (que foi 1º de maio). Infelizmente, não rolou. Só liberaram a chave dia 1º mesmo. Depois que a peguei, fui levando minha tralha pra lá ao longo do dia, e foi uma experiência divertida, porque o que mais você via na rua eram estudantes saindo ou chegando dos prédios! Todo mundo fala que 1º de julho é o dia da mudança no Canadá, mas acho que 1º de maio é o dia da mudança dos estudantes! Foi um barato ver dezenas de caminhõezinhos da U-Haul o pessoal carregando malas, sacolas, televisões, colchões, mesas e outras tralhas pelas ruas. E mais legal ainda foi fazer parte disso! Me senti até com 20 anos de novo, de tanta pirralhada zanzando pra lá e pra cá :D 

Ah, detalhe: o apartamento não estava limpo e nem pintado. Quando peguei as chaves, disseram pra eu ficar tranquilo que isso seria providenciado. Eu não quis esperar e comecei a limpar logo que entrei lá, mas nem bem comecei e apareceu uma funcionária para fazer essa limpeza inicial. Gente boníssima, e fez um trabalho primoroso! Me poupou um tempo enorme! A pintura foi feita hoje, quando eu estava fora. Aliás, isso é um ponto importante e que difere bastante pra gente no Brasil: aqui, aparentemente é comum para os zeladores dos prédios entrarem nos apartamentos, mesmo sem aviso prévio, se for necessário por algum motivo. Aconteceu no apartamento do meu amigo umas três vezes enquanto estive lá (ele teve um problema com a geladeira e o zelador apareceu lá quando nenhum de nós dois estava em casa), e comigo já aconteceu agora, quando pintaram tudo. Não dá pra deixar de dizer que é esquisitíssimo você chegar e encontrar a casa meio que fora de lugar, mas, até onde vi, não mexeram em nada que estava dentro dos armários. Só mexeram no essencial para pintar as paredes e portas.

Segundo a imobiliária, eles não enviam nada para lembrar o pagamento. O dia em que você pagará cada aluguel fica estabelecido no contrato, e cabe a você mesmo lembrar de pagar. Há a possibilidade de fazer débito automático, mas isso depende do proprietário ou da imobiliária. Aliás, várias coisas podem ser acordadas entre você e o proprietário, então cada caso tem suas próprias particularidades. É importante, contudo, lembrar sempre de perguntar o que está incluído no preço, pois às vezes o preço de um apartamento parece bom, mas quando você descobre que terá de arcar com eletricidade, calefação, serviço de remoção de neve e outros, o preço final pode mudar muito, e o bolso pode ficar dolorido.

Enfim, acho que é isso. Ainda vou demorar um pouco a me ambientar à nova casa, mas gostei do cantinho que consegui. O bom é que, se por algum motivo eu não curtir, o contrato dura só um ano (ao contrário dos 30 meses de São Paulo...), então eu posso simplesmente não renovar e procurar outro lugar. Mas nem quero pensar nisso. Que os próximos meses sejam tão tranquilos quanto esses primeiros dias!

À bientôt!