sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Mundo Lingo

Desde que terminei o curso de inglês na McGill, tive que adicionar um item à lista de "coisas nas quais ficar de olho": dar um jeito de treinar o idioma para não enferrujar e não voltar a ficar inseguro. De início, não me empenhei muito, já que continuava usando inglês quando falavam comigo em inglês e não tinha problemas. Mas, depois de começar o curso de francês, notei que as palavras em inglês estavam começando a demorar um pouco mais que o normal pra vir à mente e — pior! — algumas não vinham ou vinham com versões afrancesadas. Longe de ficar totalmente feliz por ver o francês se tornando mais presente no meu dia a dia, comecei a ficar com medo de perder o nível que consegui no inglês.

Obviamente, em termos de leitura e compreensão oral não há grandes problemas pra se encontrar maneiras de praticar. O mundo inteiro é praticamente todo em inglês. É facílimo encontrar material de leitura na Internet, e as séries de televisão e os filmes mais assistidos do mundo são em inglês. Há podcasts de notícias, sobre economia, cinema, quadrinhos, filosofia, história; vídeos de diversos canais de televisão anglófonos mundo afora; e aqui no Canadá, com as bibliotecas, tudo isso é ainda mais acessível. O problema mesmo é para falar. Não sei quanto a vocês, mas eu não tenho o hábito de parar estranhos na rua pra puxar papo e treinar idiomas.




Sendo assim, comecei a procurar outras opções. Uma delas, que já uso há algum tempo, é se cadastrar em sites para conhecer pessoas de outros países, à distância mesmo. A maioria é mais focada em chats ou trocas de e-mails, mas já é uma maneira de treinar a escrita. Se você e a outra pessoa animarem, podem partir pro Skype, o que permite treinar a fala. Só que, na minha experiência, isso é muito incerto. A maioria das pessoas está nesses sites sem muito propósito ou apenas com uma vaga intenção de praticar idiomas. Nem sempre é fácil encontrar quem queira sentar sistematicamente uma ou duas vezes por semana para falar inglês durante uma hora, por exemplo. Boa parte aparece na primeira ou na segunda semana e depois some.

Então resolvi reexaminar uma ideia que me foi passada logo que cheguei aqui e que eu nunca tinha experimentado: o Mundo Lingo




O Mundo Lingo é um grupo de pessoas que se reúne semanalmente em locais e horas determinados e que tem por objetivo promover o encontro de nativos e de estrangeiros. É uma forma de facilitar a adaptação de estrangeiros a um país novo (ou mesmo de pessoas que mudam de cidade dentro de um mesmo país) e também de treinar idiomas diversos. Até o momento, eles realizam encontros em 13 países. Aqui em Montreal, são três dias por semana, em três locais diferentes. Se quiser conferir a agenda, clique aqui.

O esquema é bem simples: você vai ao local do encontro dentro do horário estabelecido, encontra a mesa de recepção do Mundo Lingo e fala qual o seu país de origem e quais as línguas você quer praticar. Eles te dão, então, bandeirinhas adesivas representando o seu país e aqueles cujo idioma você quer treinar. Aqui costumam dar a bandeira canadense e a do Quebec quando você diz que quer praticar inglês e francês, respectivamente (mas peguei a da França uma vez porque a do Quebec tinha acabado). Você cola as bandeirinhas na camisa em ordem de fluência e, depois disso, é só perambular pelo local ou encontrar uma mesa em que o pessoal também tenha bandeirinhas.



Há várias vantagens nesse tipo de encontro, na minha opinião. Primeiro, obviamente, você tem a possibilidade de encontrar nativos e de efetivamente conversar com eles (e não apenas aquelas "conversas" de loja ou supermercado, em que você dá bom dia, a pessoa te fala o preço, você paga e diz "até logo"). É muito legal poder falar com pessoas que nasceram e cresceram aqui, ouvir as opiniões deles sobre a cidade e sobre o país, sem falar no próprio uso local dos idiomas. Segundo, há gente de todos os cantos do mundo, o que significa que você também é exposto a sotaques diferentes, o que ajuda muito a treinar o ouvido. Terceiro, não há obrigação alguma em relação a com quem falar, em qual grupo ficar ou coisa do tipo. Não gostou de um grupo, vai pra outro! Aliás, mudar de parceiros de conversação é algo que é encorajado, mas nada te impede também de ficar com um só grupo se você está gostando da conversa. Quarto, é um ótimo jeito de fazer novos amigos, locais e internacionais, embora (de novo) ninguém seja obrigado a trocar telefones, contato de Facebook ou coisas do tipo. Na maioria dos casos que presenciei, as pessoas chegam, batem papo a noite toda, agradecem, se despedem e é isso. Quinto, ninguém está lá pra julgar sua habilidade. Não sou ingênuo de achar que ninguém tem sua opinião sobre quão bem ou mal o outro está falando, mas é um ambiente para que pessoas de todos os níveis pratiquem. Então, todos que vão sabem que encontrarão de nativos a gente uga-buga. Faz parte do pacote.

Ah, por último e muito importante: exceto pela sua consumação no local do encontro, é tudo grátis ;)

Eu fui três vezes até agora, e só não fui mais porque sou muito bicho-do-mato antissocial. Nas duas primeiras vezes, fui com um dos meus colegas quebecos. Daí tivemos problemas de horário nas semanas seguintes e eu, com receio de ir sozinho, deixei quieto. Chamei outras pessoas, mas elas tinham compromisso ou estavam com preguiça. Aí, finalmente resolvi ir sozinho e, pra minha surpresa, meu colega espanhol da aula de francês me mandou uma mensagem perguntando se eu não queria ir com ele. Topei, claro, mas ainda assim passei uma boa parte do tempo "sozinho" porque ele levou uma hora e meia pra aparecer. E "sozinho" está entre aspas porque não fiquei sozinho em momento algum. Primeiro foi um japonês, aí chegaram um português e um brasileiro, daí chegaram uma libanesa, uma sueca e uma egípcia, mais tarde chegou um canadense anglófono, tudo isso só na mesa em que eu estava. Ainda tive a chance de falar com um peruano e um britânico, além dos vários quebecos que sempre estão por lá.

Enfim, quem diria que eu, antissocial como sou, estaria recomendando encontros grupais entre desconhecidos, mas voilà. É claro que o que é feito no Mundo Lingo não é exatamente excepcional. Muita gente vai pra bares e pubs e simplesmente começa a bater papo com quem estiver por perto. A diferença,  pra mim, é que os eventos do Mundo Lingo (como os Meetups) têm o objetivo bem claro, e todo mundo que se dispõe a ir vai sabendo que todos estarão abertos. Se você também procura um jeito mais espontâneo e focado de praticar, fica a dica!

À bientôt!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Encomenda na porta e um gostinho de inverno

Uma coisa que sempre me chama a atenção por aqui é como algumas entregas são feitas. Pelo que deu pra perceber, quando as encomendas são pequenas e o dono do apartamento não está em casa, a encomenda é deixada no chão, na frente da porta do apartamento, desse jeito aí, ó:




Tirei essa foto numa segunda-feira e o pacote continuou na frente da porta por mais três dias (acho que o morador estava viajando). É algo impensável em boa parte do Brasil, como expliquei pra um dos meus colegas quebecos no último fim de semana. Não é que a maioria das pessoas no Brasil fosse roubar a encomenda; eu acredito que a maior parte da população deixaria o pacote lá quieto, e talvez alguns até o pegassem para depois ir bater na porta do dono e entregar em mãos, com o intuito de evitar que fosse roubado. Mas os brasileiros sabem que a probabilidade de que alguém acabe, digamos, dando um fim pra um pacote da Amazon dando sopa assim é maior do que a gente gostaria de admitir. Infelizmente, no Brasil, teria gente que pegaria o pacote só pelo fato de poder pegar, mesmo sem ter ideia do que encontraria na hora em que abrisse.

Ainda acho estranhíssimo esse tipo de coisa. Eu ainda não entrei totalmente no clima "estou seguro aqui" por dois motivos. Primeiro, tem todas as décadas vividas no Brasil e as minhas experiências de violência urbana (que são bem mais leves do que as histórias que muita gente vivenciou por aí, mas, ainda assim, violência urbana é violência urbana, e só quem é submetido a ela sabe o quanto é ruim). Segundo, por mais que o Canadá seja infinitamente mais seguro que o Brasil, ele não é Avalon. Há mais ou menos um mês, circulou pelos grupos de Facebook e listas de discussão o caso de uma brasileira que teve o condo invadido quando ela estava fora. Fizeram uma limpa levando, entre outras coisas, o laptop dela. Há algum tempo, li também sobre um casal brasileiro que surpreendeu o zelador do prédio fazendo as "compras" do mês na geladeira deles. Aqui, os zeladores sempre têm uma chave extra do apartamento, que eles usam, teoricamente, apenas quando algo precisa ser verificado na unidade e o morador não está. Mas, obviamente, vai da índole do zelador agir dentro dessa regra ou não. E aí, com a vivência brasileira na veia, como é que o cidadão se acostuma do dia pra noite com essa história de deixar seus bens "desprotegidos"? No Brasil, trancando tudo a gente ainda fica com receio de voltar pra casa e descobrir que alguém fez uma visita inesperada durante a nossa ausência, imagina então você sabendo que, em algum momento, vão mesmo entrar no seu apartamento (no meu, sei que o zelador veio pelo menos duas vezes quando eu estava fora).

Mudando radicalmente de assunto, há umas duas semanas veio o primeiro indício de que o inverno está mesmo chegando. Taí a prova:




De lá pra cá, nevou em alguns dias, mas não o suficiente pra cobrir o chão, pelo menos não nas regiões da cidade pelas quais perambulo. Mas, como já disseram inúmeras vezes, que ninguém se engane: a neve tarda, mas não falha.

À bientôt!

sábado, 5 de dezembro de 2015

E há um ano...

...eu pedia exoneração do serviço público brasileiro.



Como o meu pedido de licença seria negado ou pela minha chefia imediata, ou pela chefona máxima do órgão em que eu trabalhava, decidi não fazer pedido nenhum e simplesmente assinar a minha exoneração. Parte de mim ficou apreensiva por estar abrindo mão do salário & estabilidade que tantos tentam desesperadamente conseguir todos os anos; mas a outra parte sabia que ainda que as coisas não dessem certo no Canadá e eu resolvesse voltar pro Brasil, retomar um cargo no serviço público seria a minha verdadeira derrota.

Mas, passado um ano, ainda penso assim? Numa palavra, se você não quiser ler o resto do post: sim.

O medo causado pela instabilidade e desemprego logo deu lugar à ansiedade pela descoberta. O novo rapidamente ganhou espaço frente ao temor em relação ao que poderia dar errado. O primeiro benefício da minha exoneração se fez sentir na minha saúde: eu fiquei praticamente um ano sem pegar nem um resfriado. Pode parecer uma banalidade, mas pra quem tinha um resfriado por mês (às vezes dois) fazendo um trabalho que não gostava numa cidade da qual eu não gostava (São Paulo já havia perdido qualquer tipo de encanto pra mim há um bom tempo), ficar um ano sem precisar tomar um nada pra melhorar foi uma verdadeira conquista! No fim, só sucumbi mesmo frente ao outono aqui em Montreal, com todo mundo espirrando e fungando ao mesmo tempo. Ainda assim, foi um resfriadinho tão fraco comparado aos que eu tinha em São Paulo que eu dava até risada a cada espirro.

Outro benefício é aquele que vem do "e agora, José?". Saber que não tenho mais o porto seguro do serviço público para onde correr em caso de tempestade me obriga a encarar o meu maior dilema existencial desde que eu tive que escolher entre a Marvel e a DC: o que eu quero da vida? Essa pergunta azucrina a minha mente há mais de uma década. Muitos já têm essa resposta, outros nem fazem a pergunta, mas eu estou no grupo daqueles que tentam, se esforçam, arriscam e, mesmo assim, continuam sem saber para onde ir. Minha vinda para o Canadá, ao contrário do que talvez possa parecer, não foi motivada apenas pela situação político-econômica brasileira, pela minha incompatibilidade com a maior parte da cultura que divido com os meus compatriotas ou com a insegurança causada pela violência desmedida (que acabamos aceitando como natural). Isso tudo foi um tempero, mas a razão principal da minha imigração é algo que remonta a um desejo do início da minha adolescência: viver, de verdade, num outro país. Era uma vontade quase tão velha quanto eu mesmo. E, dentro dessa vontade, está também de saber para onde eu quero levar a vida. Ainda não tenho resposta pra isso, mas a sensação de liberdade que sinto por não estar mais atrelado a algo de que eu não gostava e que eu via como empecilho a todo o resto me faz sentir que agora eu tenho como descobrir.




Basicamente, tudo que escrevi no meu post de despedida do trabalho se confirmou. O contato que tenho com os antigos colegas de labuta se resume a curtidas no Facebook ou no Instagram. Escrevi para eles um tempo depois da minha chegada aqui para ver se eu estava enganado em relação a como eu percebia o pessoal, mas não estava: poucos me responderam e, mesmo eu continuando a escrever, todos pararam, no fim. Não é nada de mais, tendo em vista que eram só colegas de trabalho mesmo e que nossa relação lá nunca foi além do prédio do órgão. Continuo sendo grato pelo ambiente que proporcionaram pra mim durante todos os meus anos lá, e torço pra que eu não tenha sido uma pedra no sapato de ninguém (mesmo eu não escondendo que acho a maior parte do serviço público completamente inútil). De resto, cada um segue sua vida.

No fim deste primeiro ano sem serviço público, posso dizer que, ainda que desempregado e ainda que não saiba ao certo pra onde ir, me sinto bem melhor do que me sentia até o dia 5 de dezembro de 2014. Agradeço a chance de aprender a lidar um pouco mais com as pessoas, desenvolver um certo olho clínico para as relações de trabalho, entender como certas coisas funcionam e, sobretudo, de poder economizar uma grana que está me permitindo ir atrás de responder aquela pergunta lá: "E agora, José?".

Pra finalizar, um vídeo que resume bem uma grande parte da minha vida de servidor e o que eu acabei fazendo. As pastas, as conversas sobre aposentadoria e até o cafezinho, tá tudo nessa cena. Comme lui, je choisis un avenir sans débouchés. Et comme lui, je suis un vrai bordel ;)



À bientôt!