Acordamos às 7h no dia seguinte, refeitos e bem dispostos (vivam as camas de hotéis!). Depois de tomar café, saímos em direção ao Oratoire St. Joseph. Como mencionei no outro post, eu e meu amigo curtimos mais andar a pé sempre que possível, e, sendo este nosso primeiro dia de fato para explorar a cidade, fomos andando da René-Levesque até o Oratoire St. Joseph, o que dá mais ou menos 4 Km. Ao longo do caminho, já fomos reparando nas ruas, e a primeira coisa que me chamou a atenção foi que não havia muita gente andando pra lá e pra cá. Mas tudo bem, talvez fosse a região onde estávamos. A segunda coisa que notei foi a limpeza das ruas. Nada dos típicos papéis, copinhos, garrafinhas, chicletes e sabe Deus mais o que o pessoal joga nas ruas aqui no Brasil.
Shaughnessy House, no Boulevard René-Levesque |
Bicicletas públicas com folhas de outono contratadas posando |
Fizemos várias paradas pelo caminho, até porque o bom de ir andando é justamente poder parar quando você algo que chama a sua atenção, né? Foi assim que encontrei essa pilha de lenha à la desenhos animados da minha infância:
Chegamos ao Oratoire St. Joseph e gastamos um bom tempo do lado de fora. O lugar e a construção em si são lindos! Ele tem toda aquela imponência de estar situado no alto da colina, com toda uma escadaria que leva até lá. E, quando se chega lá em cima, você tem um belo mirante para contemplar parte da cidade até onde a vista alcança.
Céu lindo, com um monumento no meio |
Ei-lo! |
A visita ao lugar é gratuita. Como faço em todo lugar, perguntei se podia tirar fotos. "Sim, sem flash" foi a resposta, que, aliás, se repetiu em 95% dos lugares fechados que visitamos. Eu não tenho problema nenhum em não tirar foto. Se não é permitido, por qualquer que seja a razão, não fico tentando tirar escondido. Mas estava liberado, então beleza. Só que não.
Estava eu tirando uma foto em um canto do interior do lugar (canto mesmo: o lugar fica atrás do altar, um monte de colunas o separam da nave principal) e, de repente, uma mulher chegou e perguntou:
-O que você vai fazer com essas fotos?
Pelo sotaque, arrisco dizer que a distinta senhora era não só imigrante, como vinha de algum país de língua espanhola.
-Mostrar para aqueles que não podem estar aqui comigo - foi a minha resposta, embora tenha tido vontade de dizer "não é da sua conta". Mas queria ser cordial.
-Isso não é brincadeira! Você deve mostrar respeito e temor a Deus! Este lugar não é um parque de diversões! Você será julgado por Deus, e vai para o inferno! - continuou ela, elevando a voz.
Eu deveria ter dito "vejo você lá, então!", mas só respondi dizendo que eu havia tido o cuidado de indagar e que me foi informado, PELAS PESSOAS QUE TRABALHAM LÁ, que não havia problemas em tirar fotos.
-O que importa é o que você faz! Repense suas ações, e tema a Deus! É um conselho que te dou! - foi a resposta dela.
-Muito obrigado pelo seu conselho - falei, e dei as costas.
Ela ainda continuou falando, mas não prestei atenção. Já estava constrangido o suficiente para continuar batendo boca com aquela escolhida do Senhor, então só me afastei. Não a vi mais.
É complicado continuar com o mesmo humor depois disso, mas, depois de um tempo, até que consegui. Dei uma volta pelos jardins, que são muito bonitos, e fui até a casa/capela do irmão André, que fica ali do lado do Oratoire St. Joseph, e que foi quem começou a coisa toda.
Na língua da véia que me escorraçou, "Queime no inferno, você, que tirar fotos aqui dentro" |
Capela do frère André |
Jardim |
Depois do Oratoire, lá fomos nós andando até o Parc du Mont Royal. Mas cortamos pelo cemitério de Notre-Dame-des-Neiges. Pode ser bizarro pra muita gente, mas a verdade é que é possível encontrar verdadeiras obras de arte em cemitérios, principalmente os mais antigos. E aqui não foi diferente. Mas, enfim, só seguimos o caminho mesmo por dentro do lugar, atravessamos a rua e pronto: estávamos no parque. Gente, que lugar incrível! Eu me via fácil ali praticando corrida, sentado na grama ou nos bancos lendo um livro ou fazendo piquenique com os amigos. Eu e meu amigos andamos por algumas trilhas do parque e passamos pela Lagoa dos Castores, pela Cruz do Mont Royal e pelo Chalet, de onde se tiram as fotos clássicas do centro de Montreal. Realmente, eu achei o parque fenomenal.
Gastamos um bom tempo lá no Mont Royal, porque realmente o lugar é muito bom, além de grande. De lá, descemos e resolvemos espichar até o monumento ao Georges Cartier. Passamos por prédios da Universidade McGill (inclusive a academia de ginástica deles, que pareceu bem grande) e fomos seguindo a avenida. No meio do caminho, eu e meu amigo demos risada ao vermos um cachorro que se esfregava de costas na grama toda vez que os donos jogavam a bolinha pra ele buscar. E aí fomos surpreendidos por um senhor, um velhinho, que nos abordou com um "bonjour!" e perguntou se sabíamos porque os cachorros rolavam na grana daquele jeito. Dissemos que não, e perguntei a ele se ele sabia. Ele disse que não, mas que achava interessante como eles sempre faziam isso. Eu falei que talvez eles gostem da sensação da grama no pelo deles, e o velhinho completou com um "sim, como se estivessem se coçando ou se raspando, né? Sim, talvez seja isso". Ele pareceu satisfeito com a explicação, falou mais um pouquinho e se despediu com mais um "bonjour!". Nem preciso dizer que a simpatia e educação dele compensaram por completo a véia do oratório, né?
Quando chegamos ao monumento, nem conseguimos curtir tanto. Além do sol já estar se pondo, tinha um pessoal que achamos um tanto esquisito. Um cara, especificamente, provavelmente na casa dos 20 anos, passou várias vezes e ficou me encarando. Quando, em determinado momento, resolvi encará-lo para mostrar que sabia que ele estava ao nosso redor, ele fez um sinal com a cabeça, como cumprimentando. Eu não retribuí. Meu amigo tinha notado outros dois caras também um tanto, digamos, suspeitos, e então resolvemos ir embora. Pode ter sido paranoia de brasileiro, mas realmente senti que tinha algo errado ali. No retorno, fiquei olhando para trás para ver se alguém estava seguindo, mas logo ficou claro que não. Eu e meu amigo concluímos que (1) ou o cara me achou lindo e queria, digamos, me conhecer melhor, ou (2) o lugar pode ser um ponto de venda de drogas.
De lá, fomos para a igreja Marie Reine du Monde. Muito bonita, mas num estilo mais "tradicional" de igreja. Depois de ter visitado o Oratoire St. Joseph, que é bem mais minimalista e "sóbrio" na decoração, a sensação aqui é a mesma que se tem em igrejas mais convencionais desse porte. Ah, e aqui era proibido fotografar o interior!
No retorno para o hotel, resolvemos passar pelo centro para sentir a movimentação. Ali, ao contrário de TODOS os outros lugares pelos quais passamos durante o dia, havia uma movimentação bem maior. E aí, outro contraste cultural: uma das coisas que mais reclamo em São Paulo é o fato de as pessoas nem saberem andar nas ruas. Dentre outras coisas, elas saem em grupos de três, quatro, cinco, e vão lado a lado, conversando, e, se você, andando sozinho na direção contrária, quiser passar por elas, tem que contornar esse paredão de pessoas, já que elas parecem não notar que existem outros transeuntes ao redor. Lá em Montreal, em 95% das vezes, as pessoas fizeram o que eu faço e acho que é o mais lógico e de bom senso: ao ver que alguém está vindo na direção contrária, os paredões se desfazem, um vai pra trás do outro e deixam uma parte da calçada livre pra você passar. Pode parecer pouco, mas são também pequenas coisas como essas que busco na minha jornada para o norte.
Marie Reine du Monde |
Antes de dar por encerrado o dia, resolvemos experimentar a famosa poutine. Sei que tem gente que vai querer meu escalpo por isso, mas estávamos cansados de bater perna o dia inteiro, e havia uma lanchonete do Frite Alors próxima de onde estávamos. Não deu outra: foi lá que fomos batizados em poutine. Como foi a primeira vez, eu não tinha com o que comparar, mas aquela combinação de batata frita, queijo e molho é pesada, mas cai bem depois de um dia inteiro andando.
A atendente falava um francês extremamente rápido e, ao que me pareceu, cheio de gírias e expressões idiomáticas. Perdi mais da metade do que ela falou, mas dava pra entender o sentido do todo com o que eu escutava. E aqui eu peguei as duas primeiras dicas do francês da terrinha: primeira, facture é, disparado, a palavra mais usada para "conta". Eu vinha sempre com addition na cabeça (e confirmei posteriormente com um nativo que a palavra é usada, mas bem menos que facture), então foi bom poder incorporar isso logo de cara. Segundo, quando alguém pede um prato e uma bebida e você quer dizer "o mesmo pra mim", é suficiente falar deux fois (literalmente, "duas vezes"). Foi a atendente quem usou a expressão, claro, mas captei o significado de imediato porque, em alemão, eles falam o mesmo (zwei Mal, na língua de Goethe).
Depois da experiência "poutinística", voltamos para o hotel. Acabados, mas satisfeitos com as primeiras impressões da cidade.
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Doug Ramsey, tenho acompanhado os seus relatos da viagem e tenho amado o nível de detalhe que vc expressa, dá até pra me imaginar no seu lugar, rsrsrsr. Vou ficar aguardando novos posts.
ResponderExcluirAbraços
Obrigado, família! Acredito que a maioria ache que eu escrevo demais, então é bom saber que tem gente que gosta dos detalhes hehehe!
ExcluirAbraço!