sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Um bate-papo de Natal e uma barata

Na noite de Natal, a qual passei em Brasília sendo mimado pelos meus pais, recebemos alguns amigos que passam a data com a gente há vááááários anos. Em determinada hora, pouco antes da ceia, sentei com três amigos e, não demorou muito, veio a pergunta:

– Você viu o frio que está fazendo no Canadá? Não dá vontade de desistir, não?

Respondi que não, que pode até ser que, na hora do inverno de -30ºC eu me incomode com coisas como o tanto de roupas que tenha que usar (ou o peso dessas roupas), o fato de ter de ficar tirando e colocando casacos cada vez que sair de um prédio para a rua e vice-versa, ou a neve, da qual eu não tenho lá uma visão muito romântica (até acho bonito, mas no dia a dia deve dar um trabalho...). Fui recebido com olhares e meios-sorrisos do tipo "aham, vamos ver se vai ser assim quando você estiver lá...".

Dois desses amigos, que são casados, cogitaram a imigração para o Canadá há alguns anos. Então, perguntei se haviam deixado de lado de vez a ideia. Disseram que sim, que estão bem financeiramente e que trocar o certo pelo duvidoso seria arriscado para eles. Perguntei, então, a todos eles quais eram os planos daqui pra frente. Sendo os três funcionários públicos, a resposta, foi... dou três chances:

1) dominar o mundo;

2) causar um holocausto nuclear;

3) fazer novos concursos que paguem melhor.

Como é óbvio que a resposta não poderia ser outra que não a terceira, eu só acenei com a cabeça e mudei de assunto. Mas, depois, mais tarde (e durante parte do dia seguinte), fiquei pensando: será que estou doido? Será que deveria levar mais a sério quando falam "você é louco de trocar um trabalho estável por algo que nem sabe o que é numa terra que não é a sua"?

Claro que essas perguntas não são novidade pra mim. Qualquer cidadão que pense em imigrar, mais cedo ou mais tarde, vai deparar com elas - e é bom que seja mais cedo! Só que, quando é muito cedo, a gente pode ser atropelado pelo entusiasmo e pelo fanatismo. Sim, porque há fanáticos também no reino da imigração. Há pessoas que simplesmente se recusam a imaginar que há problemas no Canadá ou em outros países ditos desenvolvidos. Mas, enfim, de repente me dei conta de que fazia um tempo que não pensava nisso e parei para me perguntar se ainda acho que estou fazendo o melhor para mim. E a dúvida bateu mesmo. Afinal, a vontade de mudar de vida, de encontrar aquela vocação profissional esperta, de viver num lugar mais justo e seguro existe, mas isso não é garantia de que essas coisas - ou mesmo alguma delas - virá. Então, a questão final é: se eu for, perder tudo e voltar, ainda terá valido a pena?

Para tentar achar resposta a essa pergunta, resolvi pedir ajuda aos universitários (quando penso que há adolescentes hoje em dia que nem vão entender essa referência...): nesse caso, meu pai. No dia 25 mesmo, sentado na varanda com ele, fui direto: "pai, você acha que sou louco de fazer o que estou fazendo?".

– Não – foi a pronta resposta dele. Sem qualquer traço de hesitação. Sem "mas". Sem "porém".

Enumerei as vantagens ou benefícios que estarei deixando para trás. Fui frio e calculista, mostrando que não será pouco o que estarei largando, e que não há garantia nenhuma do lado de lá. Expus a situação dos três amigos da noite anterior, que agora, basicamente, só precisam estudar para ganhar salários maiores e engordar, além, claro, de encontrar maneiras de gastar a grana a mais. E a resposta do meu pai, cheia daquela sabedoria de quem já viveu um tempo sobre esta Terra e sabe como as coisas funcionam foi aquela que todo mundo, no fundo, sabe, mas que às vezes passa batido pelas nossas (ou as minhas) tentativas de controlar o máximo possível de situações.

– Filho – disse ele, mais ou menos nessas palavras – que garantia você tem de que você vai se dar bem ou não no Canadá? E que garantia você tem de que seus amigos conseguirão fazer o que pretendem fazer? A gente, às vezes, planeja, planeja, planeja, e aí vem a vida e derruba o castelo de areia. Não quero dizer que você não deva planejar sua ida para o Canadá; é claro que deve. Mas o planejamento não é garantia de que as coisas serão sequer parecidas com o que você planejou. Para se poupar de coisas ruins, fora se planejar para evitar o que for possível, a alternativa é não ir. Mas não ir não significa que sua vida, aqui, vai estar muito melhor nos próximos cinco ou dez anos. Se você só quisesse ganhar um dinheiro a mais, aí talvez você não precisasse ir para outro país. Mas nunca, desde que você falou que estava pensando em ir, você mencionou dinheiro como fator. Sempre foram coisas que você não encontra aqui. Não sei se essas coisas estão lá, e ninguém tem como saber. Não há garantias. Mas não é melhor você ir e ver por você mesmo, como fez quando foi para São Paulo, do que ficar aqui imaginando?

Pois é. E aí eu lembrei novamente porque estou imigrando. Talvez eu não esteja atrás da segurança de uma vida de repartição, atrás de uma mesa. Talvez eu não esteja continuar fazendo um trabalho inócuo, com o qual não me importo nem um pouco. Talvez eu não queira continuar convivendo com pessoas que só querem ganhar mais, engordar e descobrir maneiras de gastar a grana extra. E como posso pedir garantias para algo assim, não é verdade?

E, agora, meio-ambiente: é sabido que o calor, além de ânimos exaltados, também é propício às baratas. Uma delas, voadora, entrou no meu quarto faz dois dias. A bicha é tão ruim que não morreu nem mesmo depois de duas chineladas e uma borrifada de inseticida. Conseguiu refúgio no meu guarda-roupa, e agora está desaparecida. Já revirei o móvel até o limite do desmantelamento e nada. No restante, eu só poderia procurar se fosse Liliputiano. Então, não, não terei problemas com frio de -30ºC, ainda mais se isso implicar na redução de seres desagradáveis que habitam os esgotos.

4 comentários:

  1. Olá Doug;

    Nada melhor do que a sabedoria e apoio dos nosso pais! Se tem alguém neste mundo (ou no universo inteiro!) que queira o melhor para nós, são eles, e jamais nos incentivariam se houvesse a certeza de que imigrar seria algo "ruim" para nós.
    Apesar de ter plena consciência de que coisas podem dar errado e fatalmente eu ter que voltar para o Brasil, certamente minha bagagem "espiritual, intelectual, profissional" estará repleta de coisas boas que valerá muito apena ter arriscado o tal "certo" pelo duvidoso.

    E quantos as baratas, é mais um ponto positivo pro Canadá... (Risos)

    Abraços e sucesso para todos nos que estamos nesta jornada;
    Carol R.
    diariodebordoquebec.blogspot.com.br

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    1. Olá, Caroline, tudo bom? Pois é, acho que essa questão assombra todo mundo que resolve imigrar, mas não são muitos que falam disso. Talvez para evitar urucubaca, sei lá hehehe. Mas gosto que ela venha de vez em quando, pois me faz lembrar os motivos de eu querer imigrar e, também, o que estou deixando pra trás.

      Sorte e sucesso pra nós! Abraço!

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  2. Olá,

    Adorei o post e a sabedoria do seu pai! :)

    Engraçado como em diversas etapas desse processo ficamos inseguros, pensando exatamente sobre a "estabilidade" que conquistamos para buscar algo diferente, sem ter certeza alguma do que esse algo diferente realmente é. Mesmo quem já visitou o país de destino, na minha opinião, não consegue ter uma ideia exata do que vai encontrar vivendo lá. Uma decisão e tanto! Mas acredito no que seu pai disse (e sempre pensei assim): se os motivos forem certos, a experiência vale a pena, ainda que eventualmente não dê certo!

    Desejo boa sorte, muita paciência (a caminhada é longa...) e que você consiga lidar com as milhares de vezes que vão perguntar sobre o processo que parece não ter fim!

    Abraços,
    Bruno

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    1. Exatamente, Bruno. Claro que ninguém que entre nessa goste e nem vai querer ficar pensando que as coisas vão dar errado, mas é bom a gente se lembrar que, no fim das contas, ninguém conhece o futuro. Como já foi dito exaustivamente por vários, pode ser que o que valha a pena mesmo seja a jornada.

      Abraço!

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