sábado, 11 de junho de 2016

Certificado de Francês da Universidade de Montreal - Parte VII

Três meses de sumiço não é mole, não! Mas vou te contar, viu... que períodozinho lasquei esse desde o meu último post. Não foi só o tempo pra escrever, engolido pelas coisas que tive que fazer ao longo dos últimos meses, que me manteve afastado do bloque. Recebi uma notícia nada agradável do Brasil e tive que tirar um templo pra pensar na vida. Ninguém morreu (ainda bem!), mas, ainda assim, foi um período de luto que foi intensificado por tudo com o que tive que lidar: aulas, provas, imposto de renda, renovação da Assurance Maladie, celular estragado, o Hodor, renovação de passaporte, trabalho voluntário... nesses meses, mesmo as coisas pequenas tinham peso maior. Daí não tinha o que me fizesse realmente pensar em sentar e escrever (embora digam que ajuda).

Mas, cá estou! As coisas, ou melhor, o meu lado emocional está melhor agora. Como já mencionei ali em cima, muita água rolou, mas vamos com nosso querido Jack: por partes.




A Sessão de Inverno na UdeM

Eu já havia dado um apanhado geral do que estava achando das aulas nesse post aqui. Minha opinião não mudou muito de lá pra cá. O curso de Compreensão Oral cumpriu o que prometeu: fomos expostos a sotaques de francófonos de várias partes do mundo, mas com uma atenção especial para o francês falado no Quebec, claro. A professora se esforçava muito para não ser do tipo rígida, ou melhor, para não passar a impressão de ser sisuda, mas pra mim ficou claro que ela estava tentando representar um papel de professora gente boa. Acho que o que ela curte mesmo é pegar pesado com os alunos, mas só em alguns momentos ao logo dos três meses de aula chegamos a ver esse Mr. Hyde fora do Dr. Jekyll.

Essa aula é obrigatória, então ainda que eu não tivesse gostado teria que fazê-la em algum momento. Mas não me arrependo. Obviamente, não tem como o curso ou a professora ativarem uma chave mágica no cérebro dos alunos para que eles comecem a entender francês quebeco do dia pra noite. O que ela fez, além de dar uma lista enooooooooorme de sites e outros recursos onde podemos ouvir o francês daqui, foi chamar a atenção dos nossos ouvidos para certos fenômenos que acontecem no idioma. Foi assim que descobri que "sur + la" frequentemente vira "saaaa" (um "sa" alongado), da mesma forma que "sur + les" vira "sêêêê" (um "sê" alongado). Foi assim também que fui apresentado ao "fón", que é como alguns quebequenses pronunciam a palavra inglesa "fun" ("c'est le fun" vira "cél-fón"). Vimos também a ditongação que é feita em várias palavras ("jaune" é pronunciado "jôun", com "o" e "u" bem marcados) e o uso da partícula "tu" (sim, partícula, não pronome) como indicação de interrogação ("Il va tu au cinéma ce soir?"). 



Apesar de tudo ser muito interessante e de termos chance de ouvir esses fenômenos linguísticos em áudios e vídeos que a professora levava, acho que tinha gente na sala que achava que só saber essas coisas resolvia os problemas. A professora passava áudios e vídeos na sala, fazíamos exercícios (alguns em casa), mas ela falava o tempo todo: tem que escutar fora da sala de aula também. Rádio, TV, podcasts, séries, filmes, o povo no ônibus, na feira. Tem que ler também, porque ver a palavra escrita ajuda a reconhecê-la quando a ouvimos. Enfim, é um trabalho constante e sem fim. Se a pessoa vai pra aula, apura os ouvidos lá, mas volta pra casa ouvindo o idioma nativo, se encontra só com os amigos compatriotas, usa inglês pra fazer as coisas na rua... não tem curso que salve. E foi assim que, pra minha surpresa, vi uma quantidade razoável de pessoas se dar mal. Claro, não sei da vida de ninguém; muita gente estuda, trabalha, cuida dos filhos, do cachorro, e mil outras coisas; no máximo, tiro uma média pelo que me contam. Mas, sinceramente, a aula em si não é difícil se você tem o hábito, pelo menos, de escutar notícias em rádio, podcasts ou TV. A maior parte das avaliações se baseia em noticiários — o que facilita muito, pois os locutores/apresentadores falam de forma mais pausada e clara. Ainda assim, na última prova, vi algumas pessoas suplicando para ouvir o áudio uma última vez com fone de ouvido.

A aula de fonética, por outro lado, foi bem mais puxada. Fiz tanta pergunta e pedi tanto para ser corrigido pela professora e pelo assistente que nós três acabamos indo pra um bar um dia hahahahahaha! A professora é sensacional: bem-humorada, atenta, meticulosa, manja muuuuuuuito do conteúdo e consegue te esculhambar ainda parecendo ser sua melhor amiga. Era comum termos de ler palavras (no início do curso), frases e parágrafos inteiros (mais para o fim) em voz alta durante a aula, e se ela não ficava satisfeita pedia para a pessoa repetir quarenta vezes. Nessa aula eu via muito mais gente interessada do que na de Compreensão Oral — e, por interessada, quero dizer ralando pra fazer certo. Ainda assim, a própria professora comentava, de vez em quando, que ela conseguia distinguir facilmente os alunos que treinavam em casa daqueles que só se preocupavam em tentar fazer os sons certos quando estavam na aula. As avaliações e exercícios valendo nota eram todos gravados e enviados pra ela ou pro assistente, e sempre, sempre recebemos, além da nota, um comentário bastante detalhado sobre o que estava bom e o que estava ruim. E o melhor: tudo isso com litros de diversão durante a aula.

Vou te dizer que fiquei bem preocupado na metade do curso. Não com nota ou coisa do tipo; mas é que, em determinado momento, parecia que eu estava "desaprendendo" o que eu sabia e não estava conseguindo aprender o que não sabia. Lá ia eu falar com a professora ou com o assistente (às vezes, com os dois) e pedir, "me ajuda, me anima, me dá esperança, me exorciza!". 




E eles diziam que eu estava indo bem, que a minha pronúncia era boa, o assistente dizia que eu soava como francófono em vários dos exercícios gravados, e eu dizia, "não, não, não, francófono de onde, da Índia?". E aí eles riam, indicavam uma coisa aqui e ali que eu podia tentar melhorar e ficava por isso mesmo. Até que um dia (o dia do bar), eu chorei as pitangas de novo e a professora me disse o seguinte:

—Doug, vou ser o mais sincera que posso com você. Obviamente, você não soa como um falante nativo do Quebec. Seu sotaque tem um pouco do sotaque brasileiro, mas tem muito do sotaque padrão francês, o que é normal, já que vocês aprendem o francês da França. Porém, o meu ponto é: você não tem problema algum de pronúncia; você não pronuncia "b" em vez de "v" como vários sul-americanos, você não tem dificuldade pra pronunciar e distinguir "ê" de "é", "ô" de "ó"; você pronuncia bem o "u" francês, você faz distinção entre "in", "en", "an", "on" e "un"... em suma, você não tem nada que eu possa chamar de problemas reais de fonética. Outros alunos tem alguns desses, e outros ainda tem todos, o que é de deixar qualquer um sem dormir à noite. O que você tem é uma coisa: medo de falar! Eu vejo a diferença na sua pronúncia quando você grava os exercícios e quando você está aqui, ao vivo, conversando. Em casa, gravando, você está relaxado, sabe que se fizer um erro é só apagar o arquivo, gravar de novo e pronto. Aqui, você sabe que não tem como fazer isso; você fica nervoso e isso faz com que você queira falar rápido, não para parecer fluente, mas para acabar logo porque você não quer errar e não quer ser julgado. Meu conselho continua sendo o mesmo desde o início: você tem que encontrar um modo de relaxar quando estiver falando francês. Tem que deixar de ter medo de ser julgado, de parecer estúpido, de ter que recomeçar uma frase porque não sabe como terminá-la, de trocar uma palavra pela outra. Tudo isso faz parte do processo de aprender idiomas. Eu te garanto, pelo que você já mostrou na aula, que se você conseguisse relaxar mais quando fala francês por aí, nem aqui fazendo o certificado você estaria.

O que que você fala pra uma professora que te diz isso tudo? Paguei uma rodada no bar, né?



É claro que ela tem razão. Pelo menos em relação à parte de eu precisar relaxar, porque, quanto à pronúncia, não acho que seja essa Coca-Cola toda, não. Mas, enfim, de lá pra cá, venho tentando superar a ansiedade também nesse quesito. Não vou dizer que tenha feito grandes progressos, não, pois ainda me cobro muito toda vez que abro a boca. Porém, pelo menos agora eu tento, durante os segundos antes de abrir a boca pra falar francês com alguém, pensar que eu não vou ser morto a tiros se falar alguma besteira ou não souber completar um pensamento. Tem dias que vai mais fácil, tem dia que vai mais difícil. Mas vai.

As aulas de Compreensão Oral e de Fonética acabaram no fim de abril. É sempre uma pena pra mim deixar de ir pra aulas das quais gosto, mas fazer o quê? A recompensa de tudo veio semanas depois: fiquei com A+ em ambas as disciplinas, o que me deixa com um média acumulada muito boa que pode ser útil para um eventual retorno à universidade. Pelo menos, o currículo tá ficando bonito :P

Ah, eu recomendo MUITO a aula de Fonética pra qualquer pessoa que venha pra cá! É sensacional o tanto que se aprende e, se você realmente colocar em prática o que for viso na aula, sua pronúncia com certeza vai melhorar bastante! Dá pra fazer como aluno livre na Universidade de Montreal, ou seja, não precisa se inscrever pro certificado inteiro pra poder cursar. Fica a dica!

À bientôt!

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