segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Certificado de Francês da Universidade de Montreal - Parte V (Problemas no Paraíso (2))

Bom, 2016 já chegou, se instalou, mas no meu relato das aulas da Universidade de Montreal, ainda estou em 2015! Então vamos lá contar o resto e dizer qual foi o resultado final.

No último post sobre o assunto, falei da aula de francês oral, que foi proveitosa, apesar de não ser algo que vá ficar na minha memória para sempre. Aproveitei a oportunidade para falar, conversar, explorar o conteúdo que a professora passava, mas não houve momento algum em que eu me sentisse à vontade pra valer na aula. Uma grande parte disso é culpa da minha ansiedade, então há que se relevar. Pois bem, se a de francês oral foi assim, a de francês escrito corre o risco de ficar guardada na memória por ter sido a primeira aula verdadeiramente ruim que tive em terras canadenses.




Eu havia contado em post anterior que, já na primeira aula, a professora passou textos de Voltaire e La Fontaine pra gente analisar. Ali, pego de surpresa sem nem ter tido chance de assentar o derrière na cadeira direito, eu achei que o problema era eu: eu é que estava chegando com o bonde andando (o rapaz vai parar no nível 6 e quer moleza?), eu é que tinha inadvertidamente feito magia negra e ido muito melhor no teste de nivelamento do que meu domínio do idioma, de fato, me permitiria, eu é que iria ter que correr atrás do prejuízo. Pensei seriamente, durante duas semanas, em desistir da aula, trancar e esperar eu evoluir um pouco mais no francês oral, porque me dava cólicas pensar em ser chamado, na frente de todo mundo, para analisar textos numa língua estrangeira. Mas resolvi encarar porque já estava molhado e a chuva não tinha cara de que ia parar.

Pois bem. Ainda bem que fui adiante, porque as aulas foram meio que uma piada. Eu até agora não entendi a razão de a professora brincar de análise de texto com a gente na primeira aula, porque não usamos aquilo praticamente pra mais nada. Há uma vaga ligação entre o que ela mostrou sobre a análise e o que vimos nas outras aulas (que tiveram mais a ver com textos persuasivos e resenhas), mas tenho a ligeira impressão que as duas ou três primeiras aulas foram especialmente elaboradas pra assustar os alunos mesmo. Aliás, lembro direitinho de ela dizer, ao final do primeiro dia, que quem quisesse abandonar a aula tinha até o dia tal, então, ainda estava em tempo. Convenhamos: isso, no mínimo, não é encorajador, certo?

O método de aula dela se resumia a passar algumas orientações de livros e sites, copiando palavra por palavra no quadro, e, às vezes, atacar pontos gramaticais usando exatamente os mesmos exemplos da gramática que ela levava para a sala de aula. Ela repetia, de forma incansável, que precisávamos aprender a ler para aprender a escrever, mas havia pouquíssimos conselhos práticos sobre como fazer isso. E não é que a professora não soubesse o conteúdo: ela, claramente, já estava bastante habituada com os assuntos que levava (e talvez esse tenha sido um dos problemas: ela já estava no piloto automático) e tinha postura de quem entende do assunto. Ainda assim, raramente passava qualquer coisa para fazermos em casa (ou mesmo na sala) o que mostra muito sobre quão proveitoso foi o curso: uma aula de francês escrito no qual você praticamente não escreve? De repente, me lembrei de várias histórias de francisation que me contaram e pensei que, pelo menos, quando as aulas na francisation são ruins, estão te pagando pra você não aprender ou aprender mais ou menos. No caso da Universidade de Montreal, a gente está pagando, né?




Enfim, eu nunca recebi um dos (raros) deveres de casa de volta. Não sei se ela deu pro cachorro comer, se usou pra desenhar coraçõezinhos enquanto falava ao telefone, se usou como porta-copos ou o que for. O fato é que eu nunca vi os erros ou acertos que cometi nessas atividades. Quanto às provas, fizemos três. Fui receber a nota da primeira só um mês e meio depois de tê-la feito, depois, inclusive, de já ter feito a segunda prova. Ou seja, eu não sabia como estava indo no curso até depois da metade dele. Se eu estivesse dependendo de boas notas no histórico por algum motivo (para bolsa ou para ser aceito num curso de pós-graduação, por exemplo), eu teria ficado sem saber como estava me saindo até depois do prazo dado para abandono. E aí seria adeus bolsa ou carreira acadêmica.

Fora isso, boa parte do que ela falava era expressado de forma incrivelmente confusa. De novo, de início, achei que era eu. O burrinho aqui ainda não entende francês bem o suficiente, precisa treinar, blá, blá, blá. Mas aí eu me dei conta de duas coisas: primeiro, eu entendia, sim, praticamente todas as palavras que ela falava. O problema é que elas não faziam lá muito sentido e, não raras vezes, entravam em contradição com outras palavras que a própria professora tinha dito em aulas anteriores. Segundo, não era incomum que os outros alunos pedissem para ela repetir alguma coisa várias vezes, principalmente quando se tratavam de instruções para os deveres e provas. Aliás, nunca vou esquecer o dia em que chegamos para uma das provas, ela disse que teríamos que fazer uma synthèse e um aluno levantou a mão e perguntou o que era uma synthèse. Uma hora o texto que tínhamos de escrever deveria ter 500 palavras, na aula seguinte, deveria ter 800. Questionada, a professora falava que o mínimo era 500, mas que ela não aceitaria mais de 600. E o texto tinha que ter introdução, dois parágrafos de desenvolvimento e conclusão, e o terceiro parágrafo de desenvolvimento tinha que apresentar um contra-argumento e refutá-lo. Mas, senhor! Não eram só dois parágrafos no desenvolvimento? Não, tem que ter três. Mas tudo tem que ter só 600 palavras no máximo? O máximo é de 600 palavras, mas ela iria corrigir textos que tivessem até 700 palavras. Tudo que estivesse além disso seria descartado e afetaria a nota.



Diante desse quadro de Salvador Dali no País das Maravilhas de Mordor, resolvi que não valia a pena discutir. E nem me estressar. Quando a louca pular e começar a dançar, pula e dança junto até a música acabar e você poder sair sem que ela note. Então fiz os (poucos) deveres e todas as provas, e só falei em sala de aula quando expressamente requisitado. A prova final foi, na verdade, um trabalho para o qual tivemos que fazer uma pesquisa sobre um tema, reunir artigos que girassem em torno desse tema e produzir um texto que demonstrasse um ponto de vista específico. Ah, não, espera! Os artigos tinham que mostrar visões diferentes e o seu texto deveria mostrar as diferentes opiniões sobre o tema. Sabe quando você senta para escrever algo e não sai nada? Pois é, nunca tive esse problema, mas eu nunca demorei tanto pra escrever algo pra alguém como na aula dessa mulher, simplesmente porque eu me perguntava, a cada instante, se o que eu estava fazendo seguia remotamente alguma das instruções contraditórias que ela havia passado.

No fim, eu não sei o que funcionou ou não. Terminei a aula com nota A-, o que é muito mais do que eu estava esperando. Eu entregava cada prova e trabalho pensando: "não faço ideia do que essa professora vai pensar disso", e estava sempre preparado para tomar na cara. Então, foi surpreendente receber essa nota e ainda mais surpreendente ouvir dela que eu era, com certeza, o melhor aluno da classe. Se fosse outra professora, talvez eu tivesse ficado feliz e me sentido realizado. Mas, com essa, eu só agradeci e pensei: "será que posso acreditar que você leu de fato algum dos textos que escrevi?".

Enfim, fico feliz de ter ido adiante e deixado essa disciplina (e, principalmente, essa professora) para trás. São 3 créditos a menos para eu obter o certificado, e é só isso que eu posso salvar da aula. A nota é ótima para o meu currículo acadêmico e, aliada à nota da aula de francês oral (que foi um A), me deixa numa boa situação já no primeiro trimestre do programa. Vamos ver como será o resto. Só tenho certeza de uma coisa: se eu me inscrever para uma disciplina e essa professora estiver escalada, eu tranco antes da primeira aula.

À bientôt!

2 comentários:

  1. Oi, Doug,
    Já faz quase um ano que acompanho suas desventuras em terras montrealenses. Me tira uma dúvida: o curso que você tá fazendo na UdeM é um certificat que pode ser utilizado pra compor um BAC ou é um certificat de compétences (tipo, atesta que você sabe a língua mas as disciplinas não podem ser aproveitadas num curso de nível superior). Pergunto porque, no ano passado, comecei a fazer o curso de français écrit o milieu du travail en ligne da McGill, mas esse é um certificat de compétence e as disciplinas são bem voltadas para a redação administrativa, então me falta a abordagem do francês em meio acadêmico, entre outros. Enfim, é mesmo para matar a curiosidade e entender as possibilidades caso eu consiga ir pro Québec.
    Abs,
    Aline

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    1. Oi, Aline, tudo bem?

      Obrigado por acompanhar o blogue! :)

      Vamos lá: o certificado que estou fazendo na UdeM me permite, sim, compor um BAC, se eu quiser. Foi um dos motivos que me fez escolher esse caminho e não outro pra aprender francês. Não é com qualquer outro certificado que dá pra formar um BAC, mas é só escolher direitinho que você pode conseguir um BAC par cumul, como eles chamam aqui (3 certificados de 30 créditos = 1 BAC par cumul).

      Sim, o certificado que fiz na McGill também é como um certificado de competência linguística. Ou seja, não tem o reconhecimento de um TOEFL ou IELTS, exceto dentro da própria McGill, que o aceita no lugar desses outros certificados como prova de proficiência na língua. Em geral, cursos que não tem créditos não podem ser usados para fazer BAC par cumul.

      Espero que você consiga vir logo! Qualquer coisa, é só falar!

      Abraço!
      Doug

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