quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Emigrar é abrir mão

Todos nós, que estamos saindo do Brasil para um outro país, passamos por isso num momento ou em outro (e você aí, que ainda está planejando, também passará): a gente conta pra alguém que vai emigrar, a pessoa fala algo tipo "que legal!", e começa a fazer perguntas. Em geral, elas querem saber se você está indo fazer intercâmbio ("como assim, você tem green card???"), se você já tem emprego lá ("como assim, você não tem???") e se você já tem contatos lá pra te ajudar ("como assim, você vai sozinho???"). Em geral, para por aí, a pessoa te deseja sorte, sorri e vai fazer o que estava fazendo antes.

Mas algumas pessoas vão além. Elas veem ali uma chance pra elas também e, naturalmente, querem saber mais! Aí, como boa pessoa, você explica mais. Fala sobre a palestra do escritório do Québec, fala sobre os requisitos, indica sites, blogues e tudo mais. A pessoa fica empolgada, vai pra casa, e, quando você a reencontra, pergunta se ela gostou das informações, se ficou animada para dar entrada no processo. E a resposta, em 99% dos casos que presenciei, foi algo do tipo:

-Ah, eu queria muito, mas meu caso é mais complicado...

Naturalmente, você quer saber o por quê, e pede ao cidadão ou cidadã de bem para que ela elabore essa frase genérica. E aí, em 95% dos casos, a resposta cai em algo semelhante às opções abaixo:

1. Ah, eu não posso largar meu emprego assim...
2. Ah, eu tenho filho(s)(a)(as)/família;
3. Ah, eu tenho um(a) namorado(a);
4. Ah, eu teria que recomeçar a vida;
5. Ah, eu teria que aprender inglês/francês/etc;
6. Ah, eu teria que ser rico(a)...

Há outras, mas a maioria das respostas costuma girar em torno dessas opções aí (às vezes, várias na mesma resposta). Antigamente, eu apenas sorria, falava algo bem vago também como "é..." e deixava por isso mesmo. Mas, depois do tempo todo de processo, vendo não só as minhas angústias, escolhas e decisões, mas a de outras pessoas também, eu respondo, em geral, com outra pergunta:

- E você acha que eu não tenho nada disso?

Uma vez, li o prefácio do livro de um escritor em que ele falava como as pessoas chegavam até ele e diziam que tinham muita vontade de escrever. Ele, por sua vez, perguntava o que as impedia, e elas diziam, em geral, que não tinham tempo. Assim, como se escrever, para ele, fosse um passatempo, um hobby, algo que ele fazia enquanto executava o trabalho "de verdade", aquele que, de fato, colocava o leitinho das crianças na geladeira. E ele falava que a diferença entre os escritores e os aspirantes era justamente essa: eles encaravam a escrita como atividade profissional, com horas de trabalho divididas, com planejamento e método, e não da forma que a maioria das pessoas imagina (algo como acordar às 10 da manhã, tomar um café da manhã até às 11, sentar na frente do computador, decidir que precisa de "inspiração" e sair para passear e por aí vai). Basicamente, eles abrem mão do conforto de ter um emprego das 8hs às 18hs, com salário fixo, pagamento no fim do mês, plano odontológico e vale-coxinha e se dedicam à profissão deles. Em sua, eles fazem uma escolha - ou várias - e se comprometem com isso.

O que isso tem a ver com a situação genérica que abriu o post? Tudo.

Quem nunca pensou seriamente em emigrar geralmente tem uma lista de obstáculos intransponíveis prontinha para ser apresentada caso perguntem "se você quer ir, por que não vai?". Não vou, de forma alguma, dizer que não existem situações que pesem mais que outras. Mas, no fim, é tudo escolha. É tudo uma questão de se você quer abrir mão de algo ou não. Se está disposto e preparado a sair da sua zona de conforto, ainda no Brasil, para ir atrás de algo diferente. E, no fim, é você quem sempre escolhe. Não é "a vida", " a situação", o "destino". É você, e só você. 

Você tem um filho pequeno? Tem gente que está emigrando com dois filhos pequenos, ou com um adolescente e um bebê de colo, com três filhos de todas as cores e tamanhos. Você tem família? Pois é, eu também. Estou deixando (de novo)  meu pai, minha mãe e minha irmã para trás, só as três pessoas que mais amo neste planeta inteiro, sem falar dos meus tios e primos mais próximos. Você tem um namorado(a)? Eu e várias pessoas já terminamos um namoro (em alguns casos, até um casamento!) por causa do processo. Você tem um emprego estável, que te paga bem? Deixa eu te contar que ninguém está indo para o Canadá ou para sei lá onde pensando em ficar rico (ou, pelo menos, não deveria estar). E eu mesmo estou largando um "belo" emprego no setor público, com pagamento certinho, com situação estável, em troca de, talvez, ter de me virar com empregos considerados "baixo nível" no  Brasil. Você está financiando sua casa? Eu e vários temos adiado a compra de um apartamento ou casa pra viver de aluguel baratinho e juntar dinheiro para ir embora. Você teria que recomeçar a vida? E o que você acha que eu e todos os outros que estão nessa jornada vão fazer? Ser amigo do rei? Um monte de gente, mesmo não querendo de saída, vai ter de voltar para cadeiras de universidade, refazer cursos, aprimorar experiência, reaprender a pegar ônibus, a falar, a agir, a pensar. Ninguém está indo continuar a vida. Todos estão indo recomeçar, seja em um ou em outro nível.

Enfim, pra encurtar algo que já está longo, quase ninguém emigra com uma situação ideal. A imensa maioria, a maioria esmagadora tem que correr atrás de tudo, seja antes do processo (aprender idiomas, fazer pesquisa, juntar papelada), seja durante o processo (mais papelada, paciência, espera, pesquisa), seja depois do processo (finalizar a vida no país de origem e começar outra no país de destino). Ao contrário do que talvez você pense, ninguém fica esperando um alinhamento planetário perfeito no céu para só então dar o pontapé inicial. Como falei lá atrás, é uma questão de escolha. E escolha é pessoal. Se, pra você, o risco de vender a casa aqui e ficar sem residência própria lá no Canadá é muito alto para correr, tudo bem. Se você fica com receio de levar sua esposa e seu filho pequeno para fora do país por não saber no que vai dar, ok. Não há problema nisso. Mas pense um tanto antes de falar que sua vida ou situação é "complicada" ou que você estaria abrindo mão de "muita coisa". Afinal de contas, emigrar é, antes de tudo, abrir mão de muita coisa.

À bientôt!

4 comentários:

  1. É bem isso. :)
    Acho que quando a gente quer algo, a gente corre atrás, independente de qualquer. E, não importa o tempo que leve, quando se quer de verdade, nada nem ninguém nos faz desistir.

    abraços;
    Catherine
    http://meetyoutherecanada.blogspot.com.br/

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    1. Bem por aí. E leva-se um tempo para perceber o que é ilusório e o que é real nessa história de deixar um país e ir viver em outro.

      Abraço!

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  2. Doug
    Sou medico com 20 anos de formado, minha esposa empresaria, tenho 2 filhos pequenos, casa propria e estou indo embora para o Canada porque aqui nao e lugar para criar meus filhos.Acabei de fazer o landing e ja estou com os PR cards nas maos e voltei ao Brasil somente para resolver algumas pendencias.Realmente imigrar e questao de escolha e nao e para qualquer um.Nao e facil viver em outro pais mas continuar vivendo nesse pais da forma que esta e da forma que ira ficar nao da!!
    Um abraçao e boa sorte na sua jornada
    ANDRADE

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    1. Parabéns pela coragem, Andrade!! Imagino que não deve ser fácil estar nessa situação e escolher o caminho que você escolheu, mas torço para que as recompensas venham!
      Abraço e boa sorte pra vocês também! :)

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