quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Certificado de Francês da Universidade de Montreal - Parte II

Se você não leu a parte I, clique aqui!

Dia 08 de setembro chegou, e lá fui eu de metrô para a Universidade de Montreal. Eu imaginava que o curso e a experiência seriam bem diferentes da McGill, então só faltava descobrir o quanto. E esse foi o primeiro ponto: pra McGill, eu ia à pé; pra Universidade de Montreal, preciso pegar três metrôs. Levo, em geral, uma meia hora pra chegar lá. Em dias tensos, uns quarenta minutos. Nada de mais, na minha opinião, mas a parte ruim é ter que acrescentar na brincadeira (e no orçamento) mais uma despesa: transporte público.

Quando cheguei ao prédio da universidade, o térreo estava fervilhando de estudantes. Os responsáveis pelo curso colocaram um quadro com a listagem dos alunos por sobrenome e a classificação obtida, juntamente com o número da sala. Tive que esperar um pouquinho porque chegava gente de todo lado e, embora a maioria meio que formasse uma fila imaginária, alguns vinham comendo pelas beiradas e tumultuavam o meio de campo. Quando finalmente me vi cara a cara com a lista, procurei e achei meu nome. Nível de francês escrito: Avançado 1.



Tudo bem, eu tenho consciência de que escrevo melhor do que falo, mas... avançado?? "Bom", pensei, quando o estado de choque começou a ceder, "pelo menos é Avançado 1. Quantos serão? De repente, pode ser que eu consiga ficar bom de verdade na escrita até o fim de todos os avançados".





Fast forward pro futuro: depois da aula, e nos dias que se sucederam, descobri que havia só Avançado 1 e 2. Depois de vários #comassim? na minha cabeça, fiquei sabendo sobre a reestruturação do curso. Os avançados desapareceram, e agora têm nomes high society, tipo, Escrita e estilo. Criaram mais alguns também, específicos para vida universitária e redação científica. Rewind pro primeiro dia de aula. 




Fui atrás da sala, subindo as escadas apinhadas de gente. Quando cheguei no andar certo e achei o corredor, por algum motivo, que ainda não sei explicar, me lembrei do CEUB (Centro de Ensino Unificado de Brasília, uma faculdade particular). Talvez tenha sido a modernidade e claridade do local, que contrasta e muito com, por exemplo, a UnB, onde estudei. A impressão geral foi positiva, exceto pelo tanto de gente zanzando pra lá e pra cá. Isso me fez lembrar mais da escola do que da universidade.

Entrei timidamente na sala, que é bem ampla, com mesas longas dispostas em três filas. Cada mesa comporta de três a cinco alunos. A sala é no estilo auditório: as mesas mais afastadas do quadro são elevadas, de modo que o professor fica "embaixo" e os alunos do fundão ficam "em cima". Não havia um número grande de pessoas na sala quando entrei. Arrumei um lugar mais ou menos no centro, sentei, tentei relaxar (claro que não consegui) e esperei. Tinha chegado quinze minutos antes, então fiquei só mesmo observando os outros alunos chegando.

Juro que, quando a professora chegou, não achei que fosse professora. Primeiro, porque ela não disse nada. Nem "boa noite", nem "oi", nem "vai pro inferno", nada. Segundo, porque ela começou a tirar cabos da mochila e daí achei que era alguma funcionária que tinha ido checar se o projetor estava funcionando ou preparar algum equipamento. Quando ela começou a tirar papéis da mochila e espalhar sobre a mesa, aí caiu a ficha de que era a professora. Achei super estranho. "Vai ver", pensou o inocente, "ela só vai levantar os olhos e cumprimentar quando der a hora".

Mas não. Quando deu a hora, ela foi até o quadro, escreveu o e-mail dela, colocou no quadro o plano de aula e começou a falar sobre provas e trabalhos. Assim, sem cumprimentar, sem perguntar se todo mundo estava ali pra aula de francês escrito, se tinha algum novato na turma, coisas que até eu, quando dei aula de inglês na Wizard aos 19 anos, fazia. O jeito de falar da professora era semi-automático, característico de alguém que (1) já leciona a mesma coisa há muito tempo ou (2) descobriu, em algum momento, que detesta ensinar, mas não sabe o que fazer pra sair dali, então leva com a barriga. Como primeira impressão das aulas, foi frustrante.

Conforme ela seguiu com a aula, alguns alunos se animaram a participar. Com horror e lágrimas, constatei que o nível de francês oral da galera que abriu a boca era infinitamente superior ao meu. Gotas de suor de desenho japonês brotavam aos montes, principalmente quando a professora começou a pedir sugestões aos alunos. "Odin", pensei, "se ela virar pra mim e me mandar abrir a boca, todo mundo vai achar que está diante do Capitão Caverna".


A aula estava sendo sobre análise de texto (!), como identificar certos elementos no parágrafo introdutório, como um texto argumentativo é desenvolvido e por aí vai. Metade do meu cérebro estava prestando atenção e mandando minha mão fazer anotações como se a vida dependesse disso, enquanto a outra metade ficava lançando perguntas do tipo "quem mandou se meter a ir pra faculdade tão cedo?", "por que você não fez um cursinho básico de revisão antes de se meter à besta?" e coisas do tipo, coisas que nem eu, nem a outra metade do cérebro tínhamos condições de responder naquele momento. Ao longo da aula, ficou claro pra mim que o jeito da professora era o tipo (1) acima: ela já dá aquela aula há um bom tempo e passa o conteúdo aos alunos como se eles já soubessem do que se trata. Quando a aula acabou, sem que eu tivesse aberto a boca nem pra pedir pra ir ao banheiro, eu estava um turbilhão de sensações: a professora dominava o conteúdo (ponto positivo), mas era extremamente antipática (ponto negativo) e passava o conteúdo como se a gente tivesse tratado sobre o assunto ontem (ponto negativo duplo). A turma parecia bastante diversificada (ponto positivo), mas todo mundo que abriu a boca tinha francês nível Juliette Binoche (ponto negativo, dado o meu transtorno de ansiedade)—inclusive, uma menina com traços asiáticos fala francês com sotaque quebeco im-pe-cá-vel—, embora eu tivesse esperança que os outros fossem mais uga-buga como eu (ponto meio positivo). No final, tenso pelo jeito da professora e pelo medo de ter que abrir a boca pra falar, achei que ia dar pra relaxar. Mas aí ela passou o dever de casa: analisar dois textos, um do Voltaire (!!) e outro do La Bruyère (!!!) para a aula seguinte. Ah, e dois alunos seriam escolhidos para apresentar a análise.

Em algum lugar, eu sabia que Cersei Lannister estava sorrindo e tomando vinho, esperando eu ser decapitado.



Juro como voltei pra casa bastante preocupado e—por que não?— frustrado. Embora uma aula com aquele nível de exigência sem dúvida pudesse trazer muita coisa boa em termos de conhecimento, eu fiquei me perguntando se a minha redaçãozinha no dia do teste de nivelamento tinha sido tão boa assim pra o pessoal da Universidade de Montreal achar que eu tenho condições de analisar textos de Voltaire e fazer explanações orais sobre o assunto. Parte de mim queria procurar o formulário de desistência do curso assim que saí da sala, mas outra parte ficava me oferecendo água com açúcar e dizendo "calma, vai passar. Foi só o choque inicial, deixa pra tomar qualquer decisão depois". Achei essa parte de mim mais razoável, então tomei o metrô de volta e tentei relaxar. Mas foi difícil.

No caminho, lembrei de ter lido várias vezes sobre o nível de exigência das faculdades daqui comparadas às do Brasil. "Deve ser isso", pensei, "taí a tal exigência", embora eu também pensasse que o certificado, apesar de tudo, ainda é um curso de idioma. Sem ainda entender direito o que tinha acontecido, fiz a única coisa que achei sensata: revisei as minhas notas e fui começar a procurar material na Internet sobre o que tínhamos visto em sala. Se eu fosse continuar no curso, era bom preparar a minha possível apresentação de análise. Aff...

8 comentários:

  1. O cara não é nada humilde, já chega no avançado de todas as línguas possíveis. rs..

    Brincadeiras a parte, talvez possa valer a pena sim fazer a francisação, mesmo que parcial, por fora, para reforçar alguns básicos do francês. Não sei o quão confortável você se sente na língua, mas eu pessoalmente espero fazer a fracisação, e se preciso for, um módulo mais avançado em algum lugar depois, para afinar a língua.

    É estranho ouvir estes relatos sobre a francisação, pois uma outra amiga que já está aí e chegou na mesma época que você já está concluindo a francisação, e achou excelente, em todos os sentidos.

    Eu acabo querendo pecar pelo excesso, e ir o mais longe que eu puder com os recursos que tenho em inglês e francês, pois fico preocupado demais com o quesito línguas profissionalmente rs..

    Chegaremos por aí no segundo semestre de 2016. O visto deve sair esse ano ainda, mas estamos com alguns projetos pessoais ainda para realizar, e chegar no inverno também não seria uma boa ideia.

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    1. Hahaha ah, meu caro, se esses "avançados" fossem pra valer...

      Então, eu tenho total consciência de que meu maior problema sou eu mesmo. Minha ansiedade é ridícula de tão elevada, tanto que eu travo em situações banais—e isso podia acontecer mesmo em português, aí no Brasil. Então, por isso mesmo fica ainda mais difícil avaliar qual o meu nível de fato. Dito isso, eu já ensaiei a inscrição na francisação um bom número de vezes, mas toda vez que eu estava resolvido a preencher um formulário surgia alguém com uma história cabeluda. Ainda assim, agora eu acho que talvez pelo menos o contato diário com a língua seja útil, então estou de volta ao campo dos que pretendem fazer.

      Legal, avisa mesmo quando estiver por aqui! Pelo menos um poutine tem que rolar!

      Abraço!

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  2. Olha, você é um ótimo roteirista, deixa bons cliffhangers e ficamos ansiosos para as cenas dos próximos capítulos... pelo que li do que vc conta, creio que mesmo com as inseguranças e tal, vc vai terminar com louvor o curso!

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    1. Hahaha obrigado, elca! Mas juro que não é pensado, é que eu escrevo demais mesmo e acabo achando melhor sempre dividir a história em vários posts.

      Obrigado pelos votos! Espero que você tenha razão! : )

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  3. Doug,
    Manda um e-mail p mim vamos nos encontrar rapaz, n coloco aqui meu telefone pq n dá né, rsrsrsrs
    meu e-mail.
    daniralmeida@hotmail.com
    to aguardando viu.

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    1. Diário!!! Vamos, sim! Te mando um e-mail hoje à noite ou amanhã, sem falta!

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  4. Ei, Doug! Força na peruca!
    Estou acompanhando seus relatos e me identificando com todos os detalhes. Putz! Só quem passa, sabe...
    Você não pediu minha opinião, mas eu sou abusada mesmo e acho que deveria tentar mais algumas aulas. Não se deixe levar pela primeira impressão. Insista! Afinal, até pra desistir de alguma escolha, a gente precisa tentar, experimentar. E mesmo depois de algumas tentativas você chegar à conclusão que está pesado demais pra você, parte pra outra. Se tem uma coisa que a imigração tem me ensinado é ser paciente e, principalmente, humilde.
    Boa sorte e um grande abraço solidário! Estou passando exatamente por isso no cégep, levando ferro em algumas matérias, me dando bem em outras e aprendendo francês no meu ritmo...rs!
    Nilian

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    1. Nilian, que bom te ver por aqui! Acompanho vocês também (embora admita que já faz um tempo que não comento).

      Pois é, foi essa a questão que martelou minha cabeça nos dias seguintes. Será que não era muito cedo pra pular fora tendo assistido só uma aula? Será que não estava pegando pesado comigo mesmo (só pra variar um pouco)? Talvez valesse a pena conversar com alguém, porque mesmo que eu abandonasse a aula, eu faria isso apenas pra dar uma melhorada na parte oral antes de me aventurar em discussões filosóficas. Não pensava em abandonar pra nunca mais voltar, não, mas talvez valesse a pena cuidar mais da fala do que da escrita neste momento. Enfim, é sempre algo muito subjetivo, até porque esse negócio de nível de idioma é complexo demais pra gente poder classificar os outros ou a si mesmo, né?

      Pode continuar dando opinião o tanto que quiser! O blogue está aqui também pra isso! E sorte e sucesso pra você também! Vamos no nosso ritmo que uma hora não precisaremos mais ir :)

      Abraço!

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