quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Lá vai o imigrante pra clínica sans rendez-vous

Durei bastante sem precisar fazer visita a um médico aqui no Quebec. Mas, como ninguém é de ferro (e fator de cura ainda é coisa de histórias em quadrinhos), chegou o momento. 

Há uns dias, acordei com a garganta e a cabeça doendo, e também com um pouco de febre. Achei que pudesse ser uma gripe ou algo do tipo (eu tinha setecentos e quarenta e nove resfriados por ano no Brasil, além de crises de alergia e sinusite) e tomei a medicação que costumo tomar pra isso. Apesar de uma melhora nos sintomas, a garganta não ficou 100%. Aí abri o bocão na frente do espelho e logo ficou bem evidente que não era algo que ia sumir só com pensamento positivo e Advil.




Apesar de tudo, não estava morrendo, então descartei ir a um hospital. Recomenda-se deixar o hospital só para as urgências, porque o tempo de espera é grande e, se você não está morrendo, todo mundo que estiver mais para o lado de lá do que o de cá vai passando na sua frente. Fiz uma pesquisa na Internet para encontrar clínicas sans rendez-vous, ou seja, aquelas nas quais você vai sem ter marcado consulta. Achei uma que tinha uma avaliação melhorzinha por parte dos usuários e que ficava a uns 15 minutos de casa. De novo, a recomendação é para que se chegue cedo nessas clínicas, porque elas costumam lotar rápido. Embora já estivesse meio "tarde" (eram 9:40 quando saí de casa), resolvi arriscar. Foi bom pra conhecer o percurso e ver que o lance de chegar cedo realmente conta: quando achei a clínica, uma plaquinha na frente já anunciava: "Le sans rendez-vous est complet" (ou, em bom português, "cabô por hoje").

Achei que nem valia a pena sair à caça de outra clínica naquela hora, já que a situação provavelmente seria a mesma. E, de novo, eu não estava morrendo. Resolvi então acordar com as galinhas no dia seguinte (ou com os operários da construção na frente do meu prédio, o que dá praticamente na mesma. O povo madruga) e tentar a sorte de novo. A clínica abre às 7:30, e às 7:29 lá estava eu, o imigrante, em pé, na frente da porta, acompanhado apenas por uma mulher que estava agachada olhando o celular. "Tem gente realmente pior que eu", pensei. Logo apareceram outras pessoas e se formou uma pequena fila na frente da clínica. Às 7:33, a recepcionista abriu as portas. Fui o terceiro a ser atendido (deixei uma senhora, que estava lá antes de mim, mas na frente da porta errada, passar na minha frente). Quando chegou minha vez, ensaiei pra falar inglês, mas foi o francês que saiu. Falei que era minha primeira vez e que gostaria de ver um médico, mas não tinha hora marcada. Ela, sem sorrisos, mas profissional, pegou minha carteirinha da Assurance Maladie, fez um cadastro rápido (telefone e endereço) e me devolveu a carteirinha com  uma etiqueta com o número do meu dossiê. Aí a meia surpresa (porque eu já tinha lido casos assim): embora seja sem consulta marcada, o sans rendez-vous lá funciona com hora marcada. Ela pediu para eu voltar às 15 horas para ser atendido. E lá o imigrante foi cuidar da vida, porque ficar sete horas esperando lá, só se não tivesse mais nada pra fazer, néam?



Voltei à clínica às 14:50. Falei para a recepcionista (que era diferente da pessoa que me atendeu pela manhã) que tinha um horário sans rendez-vous (até agora acho isso meio insólito) às 15. Ela checou no computador e pediu para eu aguardar na sala de espera. Ambas as recepcionistas foram profissionais, mas não exatamente simpáticas. Raramente olharam para a minha cara e tinham aquele jeito de falar e agir de quem já conhece a rotina ali de trás pra frente, então não há muito espaço para sair do roteiro. Fui me sentar e só então prestei atenção de verdade na clínica: gente, juro que eu tinha a impressão de estar na sala de espera de algum dermatologista pra fazer limpeza da cútis. Poltronas, tapetes, quadros informativos, tudo tinindo de limpo e com cara de novo. Eu só havia entrado em uma clínica aqui antes, quando acompanhei o amigo que me hospedou num dia em que ele acordou não se sentindo bem, e já achei o lugar onde ele foi com cara de clínica privada. Essa na qual eu fui (Centre Médical Square Victoria) conseguiu ter aparência ainda melhor. Não faço ideia se todas as clínicas são desse tipo, mas essa me deu uma ótima impressão.

Não deu nem cinco minutos que eu estava sentado, uma enfermeira me chamou e me levou para uma sala de triagem. Pediu para eu sentar e descrever o que estava sentindo. Ela digitava todas as informações em um computador, fazia uma pergunta aqui, outra ali e, ao final, aferiu minha pressão e a minha temperatura. Em seguida, pediu para eu voltar para a sala e aguardar. Dez minutos depois, a médica me chamou. Extremamente cordial, pediu para eu me sentar e já falou: "A garganta está incomodando muito?" — sinal de que o meu prontuário foi eletronicamente da sala de triagem para o computador dela. Relatei novamente os problemas, ela me fez perguntas e me examinou. No fim, disse que estava em dúvida se eu estava com infecção viral ou bacteriana, porque eu tinha sintomas de ambas. Eu aproveitei e disse que eu tinha um histórico de infecções virais e que, por isso mesmo, achava que essa não era. Ela perguntou em quanto tempo eu me curava normalmente das virais e eu falei que os sintomas costumavam desaparecer completamente entre de 3 a 4 dias após a primeira manifestação, e eu tomava apenas medicação para aliviar os sintomas. A médica disse então que era provável que fosse bacteriana, mas que só com uma cultura pra saber. Ela informou que a cultura poderia ser feita ali mesmo, mas, como a clínica não realiza as análises no local, eu teria que pagar uma taxa para o transporte e análise do material. Eu disse que tudo bem.

—E eles mandam o resultado do exame direto pra cá? — perguntei.

—Mandam. Fica pronto em até 48 horas — respondeu a médica.

—E eu tenho que marcar agora pra voltar?

A médica parou, me olhou e franziu as sobrancelhas.

—Voltar?

—É — eu falei, achando que tivesse falado alguma bobagem em francês — Quer dizer, eu vou ter que voltar aqui pra saber o resultado e saber a medicação, né? Então já deixo marcado agora? Ou como funciona?

—Não, o senhor não precisa voltar — ela respondeu, meio incrédula — A não ser, claro, que não apresente melhoras. Eu vou lhe dar uma receita de antibiótico e o senhor vai ficar com ela. Quando o laboratório mandar o resultado da cultura, nós ligamos para o senhor para confirmar o diagnóstico e, se for realmente bactéria, o senhor pode começar a tomar o antibiótico. Não há necessidade de marcar nova consulta.

Acho que fiquei um tempinho com a boca aberta, mas consegui dar aquele sorriso meio sem graça e disse que não sabia, que era a primeira vez que eu estava me consultando com um médico no Quebec. Aí ela riu também, como quem diz "ah, agora eu entendi" e me explicou o funcionamento da clínica em linhas gerais, mas deixou claro que outras clínicas fazem certas coisas de maneira diferente. Achei essa médica bastante atenciosa e cordial. Eu, pra variar, estava com receio de ter dificuldade para entender e me fazer entender, mas foi bem mais tranquilo do que pensei, tanto pela simplicidade do atendimento como pelo nível linguístico necessário para interagir com o pessoal lá. Foi um alívio e tanto!

Agradeci e voltei à recepção, onde a secretária profissional fez a parte burocrática do pedido de cultura (incluindo a cobrança: 35 moedas de ouro canadenses) e me encaminhou para uma moça. Esta, por sua vez, me levou novamente para a sala de triagem, realizou a coleta em 2,47 segundos e me disse novamente que eles me ligariam para informar o resultado. Agradeci mais uma vez e, após aproximadamente 40 minutos de permanência na clínica, fui embora.

Posso dizer que fiquei bastante satisfeito — e surpreso! — com o atendimento geral. Já li tanta história de terror por aí que eu vivia agradecendo aos céus o fato de não ter precisado de atendimento médico de nenhum tipo até então. E agradeço mais ainda por, agora que precisei, ter sido algo simples e ter conseguido um bom atendimento. Vale lembrar que essa foi UMA experiência de UMA pessoa (este que vos escreve) em UMA clínica em UMA cidade do Canadá, para tratar de UM problema simples com UMA médica específica. Ou seja, você aí que está lendo, não tome esse relato como um exemplo da "saúde pública canadense" ou coisa do tipo. Pode ser que a média geral seja assim mesmo, ou pode ser que eu tenha tido sorte. Enfim, ainda assim, se você já está por aqui, pode valer a pena ir a essa clínica se você já não tiver uma de que goste. Ah, e se tiver passado por experiências semelhantes ou diferentes, nessa ou em outras clínicas ou hospitais, fique à vontade para colocar nos comentários. É o tipo de informação que vale a pena repassar :)

À bientôt!

8 comentários:

  1. Muito bom o relato! =D Deu pra se sentir lá com você! =]

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  2. Que bom que deu tudo certo! Realmente, parece que estava vendo você passo a passo! ahahahahaha. A gente sempre escuta experiências negativas, é muito bom ouvir o outro lado também! Melhoras pra você

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    1. Você não sabe o quanto eu fiquei aliviado por tudo ter corrido tranquilamente, Rita! Meu maior receio era ter um atendimento precário e acabar tendo que procurar uma outra clínica, um outro médico.. mas ainda bem que não foi preciso!

      Obrigado pelos votos de melhoras!

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  3. Espero que vc fique bem e volte para nos contar se deu tudo certo.
    Abs

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    1. Oi, rose! Obrigado pelos votos! Deu tudo certo, com um ou dois tropeços. Tá tudo no novo post :)

      Abraço!

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  4. Adorei o relato e a forma como você descreveu kkkkk! Que venham mais experiências para compartilhar com a gente! Abraços e melhoras!

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  5. Oi, Ive! Obrigado! Que bom que gostou! Já estou novinho em folha! Que venham mais experiências mesmo (mas sem médico, doença, clínica, nem hospital hehehe).

    Abraço!

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