Desde que terminei o curso de inglês na McGill, tive que adicionar um item à lista de "coisas nas quais ficar de olho": dar um jeito de treinar o idioma para não enferrujar e não voltar a ficar inseguro. De início, não me empenhei muito, já que continuava usando inglês quando falavam comigo em inglês e não tinha problemas. Mas, depois de começar o curso de francês, notei que as palavras em inglês estavam começando a demorar um pouco mais que o normal pra vir à mente e — pior! — algumas não vinham ou vinham com versões afrancesadas. Longe de ficar totalmente feliz por ver o francês se tornando mais presente no meu dia a dia, comecei a ficar com medo de perder o nível que consegui no inglês.
Obviamente, em termos de leitura e compreensão oral não há grandes problemas pra se encontrar maneiras de praticar. O mundo inteiro é praticamente todo em inglês. É facílimo encontrar material de leitura na Internet, e as séries de televisão e os filmes mais assistidos do mundo são em inglês. Há podcasts de notícias, sobre economia, cinema, quadrinhos, filosofia, história; vídeos de diversos canais de televisão anglófonos mundo afora; e aqui no Canadá, com as bibliotecas, tudo isso é ainda mais acessível. O problema mesmo é para falar. Não sei quanto a vocês, mas eu não tenho o hábito de parar estranhos na rua pra puxar papo e treinar idiomas.
Sendo assim, comecei a procurar outras opções. Uma delas, que já uso há algum tempo, é se cadastrar em sites para conhecer pessoas de outros países, à distância mesmo. A maioria é mais focada em chats ou trocas de e-mails, mas já é uma maneira de treinar a escrita. Se você e a outra pessoa animarem, podem partir pro Skype, o que permite treinar a fala. Só que, na minha experiência, isso é muito incerto. A maioria das pessoas está nesses sites sem muito propósito ou apenas com uma vaga intenção de praticar idiomas. Nem sempre é fácil encontrar quem queira sentar sistematicamente uma ou duas vezes por semana para falar inglês durante uma hora, por exemplo. Boa parte aparece na primeira ou na segunda semana e depois some.
Então resolvi reexaminar uma ideia que me foi passada logo que cheguei aqui e que eu nunca tinha experimentado: o Mundo Lingo.
O Mundo Lingo é um grupo de pessoas que se reúne semanalmente em locais e horas determinados e que tem por objetivo promover o encontro de nativos e de estrangeiros. É uma forma de facilitar a adaptação de estrangeiros a um país novo (ou mesmo de pessoas que mudam de cidade dentro de um mesmo país) e também de treinar idiomas diversos. Até o momento, eles realizam encontros em 13 países. Aqui em Montreal, são três dias por semana, em três locais diferentes. Se quiser conferir a agenda, clique aqui.
O esquema é bem simples: você vai ao local do encontro dentro do horário estabelecido, encontra a mesa de recepção do Mundo Lingo e fala qual o seu país de origem e quais as línguas você quer praticar. Eles te dão, então, bandeirinhas adesivas representando o seu país e aqueles cujo idioma você quer treinar. Aqui costumam dar a bandeira canadense e a do Quebec quando você diz que quer praticar inglês e francês, respectivamente (mas peguei a da França uma vez porque a do Quebec tinha acabado). Você cola as bandeirinhas na camisa em ordem de fluência e, depois disso, é só perambular pelo local ou encontrar uma mesa em que o pessoal também tenha bandeirinhas.
Há várias vantagens nesse tipo de encontro, na minha opinião. Primeiro, obviamente, você tem a possibilidade de encontrar nativos e de efetivamente conversar com eles (e não apenas aquelas "conversas" de loja ou supermercado, em que você dá bom dia, a pessoa te fala o preço, você paga e diz "até logo"). É muito legal poder falar com pessoas que nasceram e cresceram aqui, ouvir as opiniões deles sobre a cidade e sobre o país, sem falar no próprio uso local dos idiomas. Segundo, há gente de todos os cantos do mundo, o que significa que você também é exposto a sotaques diferentes, o que ajuda muito a treinar o ouvido. Terceiro, não há obrigação alguma em relação a com quem falar, em qual grupo ficar ou coisa do tipo. Não gostou de um grupo, vai pra outro! Aliás, mudar de parceiros de conversação é algo que é encorajado, mas nada te impede também de ficar com um só grupo se você está gostando da conversa. Quarto, é um ótimo jeito de fazer novos amigos, locais e internacionais, embora (de novo) ninguém seja obrigado a trocar telefones, contato de Facebook ou coisas do tipo. Na maioria dos casos que presenciei, as pessoas chegam, batem papo a noite toda, agradecem, se despedem e é isso. Quinto, ninguém está lá pra julgar sua habilidade. Não sou ingênuo de achar que ninguém tem sua opinião sobre quão bem ou mal o outro está falando, mas é um ambiente para que pessoas de todos os níveis pratiquem. Então, todos que vão sabem que encontrarão de nativos a gente uga-buga. Faz parte do pacote.
Ah, por último e muito importante: exceto pela sua consumação no local do encontro, é tudo grátis ;)
Eu fui três vezes até agora, e só não fui mais porque sou muito bicho-do-mato antissocial. Nas duas primeiras vezes, fui com um dos meus colegas quebecos. Daí tivemos problemas de horário nas semanas seguintes e eu, com receio de ir sozinho, deixei quieto. Chamei outras pessoas, mas elas tinham compromisso ou estavam com preguiça. Aí, finalmente resolvi ir sozinho e, pra minha surpresa, meu colega espanhol da aula de francês me mandou uma mensagem perguntando se eu não queria ir com ele. Topei, claro, mas ainda assim passei uma boa parte do tempo "sozinho" porque ele levou uma hora e meia pra aparecer. E "sozinho" está entre aspas porque não fiquei sozinho em momento algum. Primeiro foi um japonês, aí chegaram um português e um brasileiro, daí chegaram uma libanesa, uma sueca e uma egípcia, mais tarde chegou um canadense anglófono, tudo isso só na mesa em que eu estava. Ainda tive a chance de falar com um peruano e um britânico, além dos vários quebecos que sempre estão por lá.
Enfim, quem diria que eu, antissocial como sou, estaria recomendando encontros grupais entre desconhecidos, mas voilà. É claro que o que é feito no Mundo Lingo não é exatamente excepcional. Muita gente vai pra bares e pubs e simplesmente começa a bater papo com quem estiver por perto. A diferença, pra mim, é que os eventos do Mundo Lingo (como os Meetups) têm o objetivo bem claro, e todo mundo que se dispõe a ir vai sabendo que todos estarão abertos. Se você também procura um jeito mais espontâneo e focado de praticar, fica a dica!
À bientôt!