sábado, 5 de dezembro de 2015

E há um ano...

...eu pedia exoneração do serviço público brasileiro.



Como o meu pedido de licença seria negado ou pela minha chefia imediata, ou pela chefona máxima do órgão em que eu trabalhava, decidi não fazer pedido nenhum e simplesmente assinar a minha exoneração. Parte de mim ficou apreensiva por estar abrindo mão do salário & estabilidade que tantos tentam desesperadamente conseguir todos os anos; mas a outra parte sabia que ainda que as coisas não dessem certo no Canadá e eu resolvesse voltar pro Brasil, retomar um cargo no serviço público seria a minha verdadeira derrota.

Mas, passado um ano, ainda penso assim? Numa palavra, se você não quiser ler o resto do post: sim.

O medo causado pela instabilidade e desemprego logo deu lugar à ansiedade pela descoberta. O novo rapidamente ganhou espaço frente ao temor em relação ao que poderia dar errado. O primeiro benefício da minha exoneração se fez sentir na minha saúde: eu fiquei praticamente um ano sem pegar nem um resfriado. Pode parecer uma banalidade, mas pra quem tinha um resfriado por mês (às vezes dois) fazendo um trabalho que não gostava numa cidade da qual eu não gostava (São Paulo já havia perdido qualquer tipo de encanto pra mim há um bom tempo), ficar um ano sem precisar tomar um nada pra melhorar foi uma verdadeira conquista! No fim, só sucumbi mesmo frente ao outono aqui em Montreal, com todo mundo espirrando e fungando ao mesmo tempo. Ainda assim, foi um resfriadinho tão fraco comparado aos que eu tinha em São Paulo que eu dava até risada a cada espirro.

Outro benefício é aquele que vem do "e agora, José?". Saber que não tenho mais o porto seguro do serviço público para onde correr em caso de tempestade me obriga a encarar o meu maior dilema existencial desde que eu tive que escolher entre a Marvel e a DC: o que eu quero da vida? Essa pergunta azucrina a minha mente há mais de uma década. Muitos já têm essa resposta, outros nem fazem a pergunta, mas eu estou no grupo daqueles que tentam, se esforçam, arriscam e, mesmo assim, continuam sem saber para onde ir. Minha vinda para o Canadá, ao contrário do que talvez possa parecer, não foi motivada apenas pela situação político-econômica brasileira, pela minha incompatibilidade com a maior parte da cultura que divido com os meus compatriotas ou com a insegurança causada pela violência desmedida (que acabamos aceitando como natural). Isso tudo foi um tempero, mas a razão principal da minha imigração é algo que remonta a um desejo do início da minha adolescência: viver, de verdade, num outro país. Era uma vontade quase tão velha quanto eu mesmo. E, dentro dessa vontade, está também de saber para onde eu quero levar a vida. Ainda não tenho resposta pra isso, mas a sensação de liberdade que sinto por não estar mais atrelado a algo de que eu não gostava e que eu via como empecilho a todo o resto me faz sentir que agora eu tenho como descobrir.




Basicamente, tudo que escrevi no meu post de despedida do trabalho se confirmou. O contato que tenho com os antigos colegas de labuta se resume a curtidas no Facebook ou no Instagram. Escrevi para eles um tempo depois da minha chegada aqui para ver se eu estava enganado em relação a como eu percebia o pessoal, mas não estava: poucos me responderam e, mesmo eu continuando a escrever, todos pararam, no fim. Não é nada de mais, tendo em vista que eram só colegas de trabalho mesmo e que nossa relação lá nunca foi além do prédio do órgão. Continuo sendo grato pelo ambiente que proporcionaram pra mim durante todos os meus anos lá, e torço pra que eu não tenha sido uma pedra no sapato de ninguém (mesmo eu não escondendo que acho a maior parte do serviço público completamente inútil). De resto, cada um segue sua vida.

No fim deste primeiro ano sem serviço público, posso dizer que, ainda que desempregado e ainda que não saiba ao certo pra onde ir, me sinto bem melhor do que me sentia até o dia 5 de dezembro de 2014. Agradeço a chance de aprender a lidar um pouco mais com as pessoas, desenvolver um certo olho clínico para as relações de trabalho, entender como certas coisas funcionam e, sobretudo, de poder economizar uma grana que está me permitindo ir atrás de responder aquela pergunta lá: "E agora, José?".

Pra finalizar, um vídeo que resume bem uma grande parte da minha vida de servidor e o que eu acabei fazendo. As pastas, as conversas sobre aposentadoria e até o cafezinho, tá tudo nessa cena. Comme lui, je choisis un avenir sans débouchés. Et comme lui, je suis un vrai bordel ;)



À bientôt!

2 comentários:

  1. Oi Doug. Atualmente também sou funcionário público, mas há apenas três meses. Porém, já sei como as engrenagens emperradas das instituições públicas funcionam, porque já trabalhei anteriormente por dois anos em outra repartição. As vezes eu fico pensando que talvez seja loucura largar a tão sonhada estabilidade, sonhada por todos, ainda mais neste momento de caos que vivemos hoje no brashell, para embarcar num sonho de morar no exterior. Mas quanto mais penso que meu sonho está cada vez mais perto de se tornar realidade, mais percebo que esta é a melhor coisa a fazer.
    Eu também, desde adolescente sonho em morar fora, e agora é a hora. Estou contando os dias para também fazer o mesmo que você fez há um ano atrás.
    E parabéns pela decisão....não deve ter sido fácil, mas com certeza é a melhor.

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    1. Oi, Diogo, valeu pelo comentário! Então, eu acho que o serviço público cai muito bem pra algumas pessoas. É uma questão de gosto e, talvez, estilo de vida. Serve pra alguns, não serve pra outros. Pra mim, definitivamente não serve. Não saio por aí encorajando todo mundo a fazer o que eu fiz porque cada um sabe onde o seu próprio calo aperta, e eu mesmo não tenho ainda uma história totalmente bem-sucedida pra contar (afinal de contas, ainda nem comecei a procurar emprego novo), mas não tenho dúvida alguma de que, no meu caso, continuar lá seria uma espécie de morte em vida. O trabalho não me motivava em nada, eu não conseguia entender como tantos regulamentos e procedimentos podiam ajudar no dia a dia, e até as conversas entre colegas... "quanto tempo falta pra você se aposentar?" era uma pergunta recorrente. Tinha quase o mesmo sentido de "quanto tempo você falta pra ficar livre disso aqui?" Por mais que eu até hoje não saiba o rumo que quero seguir, aquele rumo lá está decididamente fora da jogada.

      Abraço e boa sorte na sua jornada!
      Doug

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