quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Le dernier adieu

E já faz meeeeeeeeeeses que não apareço por aqui! Eu poderia dar a desculpa preferida de todos, a famigerada "falta de tempo", mas todos sabemos que isso é balela. A verdade, no meu caso, é que o blogue sempre foi uma maneira de extravasar a tensão e a ansiedade, além de tentar ajudar quem estava na árdua caminhada da imigração. Só que, depois que você estabelece uma certa rotina, a vida passa a ser como qualquer outra vida. Claro, há sempre pessoas novas chegando (e antigas partindo), lugares sendo descobertos e por aí vai, mas isso deixa de ser algo que te faz pensar "hmm, tenho que contar isso lá no blogue!". Enfim, ensaiei um retorno várias vezes, mas, finalmente, admiti pra mim mesmo que é hora de dar tchau.

Mas não queria simplesmente sumir e não dizer mais nada. Sei que algumas pessoas acompanhavam o bloque de perto, e até hoje vejo que ele gera um certo tráfego. Também ainda recebo um ou outro e-mail, em geral pedindo ajuda sobre o processo. Infelizmente, as coisas já mudaram tanto, mas TANTO desde que entrei nessa saga que pouco do que já escrevi no blogue pode ser aproveitado. Então, acho que nada mais justo que terminar o blogue com uma postagem final, ainda que com — de novo — meeeeeeeeeeeses de atraso.

O que vou tentar fazer é resumir os pontos mais importantes que eu pensei em abordar em posts separados. Vai ser uma espécie de resumão do final de último episódio daquela sua série que foi cancelada haha. E pra tentar não parecer um texto longo demais (eu sei que vai ser longo... passei cinco anos aqui dizendo que tinha que escrever menos), vou dividir em tópicos.

O Curso de Francês da Universidade de Montreal


Terminei o bendito em abril passado! É um pouco complicado falar sobre o curso agora depois de meses do término porque tendo a querer focar nas coisas boas. O curso me foi útil, sem dúvida, mas eu diria que mais pela oportunidade de poder falar francês várias vezes por semana do que pelo conteúdo em si. Algumas (poucas) aulas e professores foram excelentes, outras foram terríveis. Na última sessão tive a pior professora de francês da história da humanidade e quiçá das galáxias. Foi tão ruim, mas tão ruim, que a turma toda se uniu pra fazer uma avaliação destruidora da mulher. Em todo caso, ela foi a exceção. A maioria dos professores são apenas ok, e uns poucos conseguem ser inspiradores. Em se tratando de conteúdo, porém, a maioria das aulas foi meio que inútil pra mim.

Então eu não recomendo o certificado da Universidade de Montreal? Acho que não dá pra recomendar ou não recomendar de forma geral. Depende muito do nível de francês com que você chega lá. Assim como aconteceu com o inglês, eu tinha uma trava mental por causa do meu transtorno de ansiedade, mas, no caso do francês, eu tinha (e ainda tenho) deficiências no uso do idioma. As aulas serviram pra eu identificar esses pontos e estudar em casa, sozinho. Mas, de resto, o aproveitamento foi mínimo. Um aluno que tenha menos francês que eu vai achar as aulas mais proveitosas, e quem tem francês muito básico vai achar o curso até difícil. Mas, como uma das professoras me disse na nossa última aula (e essa mulher virou um modelo de vida pra mim por motivos que eu precisaria de outro post pra explicar), o nível do certificado é, de fato, muito baixo. Então eu não deveria me surpreender se só tirei A.

Enfim, qualidade do curso à parte, foi mais uma etapa que me propus a fazer aqui (porque nem tinha como eu tentar francisation com o meu nível, considerado "avançado") e terminei com louvor! Trinta créditos universitários no bolso, diploma bonitinho emoldurado e a possibilidade de até usar o curso pra integrar um bacharelado mais pra frente, se eu quiser.


Falando em universidade...


Se você que está lendo estas linhas acompanhou o blogue ano passado, sabe que fui aceito pela Universidade McGill pra cursar um bacharelado, e que eu provavelmente cursaria História ou Literatura Inglesa. Deve saber também que acabei não indo adiante com isso, basicamente porque, por mais que a ideia em si me atraísse demaaaaaaaaaaaaais, no mundo em que vivemos isso, na maioria das vezes, se traduz em zero ofertas de emprego. Seguir na área acadêmica seria pior ainda, porque eu levaria por volta de dez anos para terminar faculdade, mestrado e doutorado. E, se está ruim para quem está ganhando o diploma de Doutor com 28 anos, imagina para alguém que terminaria o calvário com 48... então, lado racional falando mais alto, não parece valer a pena.

O que não quer dizer que eu, volta e meia, não pense que não deveria chutar o balde (de novo) e seguir em frente com a ideia. Afinal de contas, quem sabem o dia de amanhã, né? Tenho amigos e familiares que tinham uma vida estável e que, por um motivo ou por outro, se viram sem emprego do dia pra noite, e isso em áreas tidas como "mais seguras". Aí vem aquela pergunta clássica: quer passar a vida fazendo servicinho insignificante de escritório até os 70 anos e morrer de tédio sem ter feito nada de útil da vida ou quer tentar fazer algo que soa totalmente louco e que pode te fazer morrer de fome aos 50? (Claro que dificilmente as coisas são drásticas assim, mas já sentiu que eu gosto de um drama existencial, né?)

Enfim, pelo menos por enquanto, continuo com a primeira opção, a do tédio aos 70. Cada vez que começo a suspirar lendo algum livro de algum historiador sobre a Roma Antiga ou a Revolução Russa e o bichinho da volta à universidade começa a coçar, vou ao Google pra ler os mais novos dados sobre como continua quase impossível seguir a carreira acadêmica na área das Humanas. E isso pelo menos me consola o suficiente pra não pensar no assunto por dois ou três meses.


Trabalho


Pois é, algo que é tão vital na vida de qualquer pessoa e mais ainda na de um imigrante finalmente aconteceu e passou batido por aqui! Depois de terminar meu curso na Universidade de Montreal, mandei alguns currículos e fui chamado pra trabalhar na minha área (tradução). Estou aprendendo bastante por lá e sou grato demaaaaaais por essa oportunidade! É muito cedo ainda para pensar se vou ficar pouco ou muito tempo por lá, mas o bom é que agora já tenho alguma experiência profissional no Canadá, o que é sempre muito útil quando você está à procura de emprego — sem falar em parar ou, pelo menos, diminuir as remessas de dinheiro do Brasil pra cá.

Tenho colegas de profissão de várias nacionalidades e um ambiente bastante tranquilo. Me surpreendeu a informalidade do lugar. Não sei se é geral (eu chutaria que não é), mas fui para o meu primeiro dia de calça e sapato social e me senti um alienígena em missão de paz. Todos, sem exceção, do estagiário ao chefe do meu chefe, estavam de calça jeans, tênis e tinha um até com uma boina! Nesse dia, não quis levantar nem pra ir ao banheiro, que era pra chamar o mínimo de atenção possível. De lá pra cá, já me ajustei nesse sentido. Quanto ao ambiente, é tranquilo. Meu chefe é bastante cordial e prestativo, mas tenho a impressão de que as relações de trabalho são realmente impessoais, como algumas pessoas já haviam me dito. Quer dizer, as pessoas têm o seu espaço e elas convivem enquanto estão ali. Não vi ainda nada ali que pareça algum laço de amizade ou companheirismo mais forte entre quem já trabalha lá há mais tempo (porque eu, como novato, não tenho laço algum, néam?). Mas veremos.


Amigos e vida social

Eu sou a pior pessoa pra falar sobre isso porque sempre curti mais atividades "de velho" do que as muvucas em que muitas pessoas gostam de estar. Pra mim, "curtir a vida" pode ser fazer uma viagem pra Cancún e deitar na areia até fazer bolha como pode ser ler um livro sobre, digamos, a época em que os mongóis invadiram a Índia. Então, por natureza eu não sou nem nunca fui um cara com trocentos amigos, mas sempre estive bem assim (ou quase. Ah, a adolescência...). Ainda assim, me surpreendi comigo mesmo com a facilidade com que conheci e fiz amizade com as pessoas aqui. De nativos a imigrantes, nunca tive problemas em me aproximar, puxar papo e engatar uma conversa. E isso independente de idade. Uma das minhas colegas de classe mais próximas no último ano era uma menina de 22 anos de Toronto, que fez faculdade na McGill e estava se preparando para estudar Direito lá também. Da mesma forma, tenho amigos com mais de 40 anos que são funcionários públicos, técnicos de laboratório, contadores, mas, acima de tudo, pessoas super legais. É muito bom ver que, desde que você respeite o estilo de vida daqui e o espaço individual, as pessoas dificilmente serão gratuitamente agressivas com você (fora um ou outro caixa de supermercado ou garçon tendo um dia difícil, mas nada é perfeito, né?).

Por outro lado, comecei a me dar conta de que eu estava desenvolvendo certas birras contra certas nacionalidades. Alguns povos têm a PÉSSIMA mania de cozinhar de porta aberta, lavar louça e passar o aspirador às duas da manhã, chamar os amigos pra uma confraternização mesmo quando seu apartamento é um cubículo e você acaba precisando deixar metade dos convidados no corredor socializando com todo mundo que passa... são situações que você pode encontrar em qualquer lugar, em qualquer país, mas notei que acontecem mais com algumas nacionalidades específicas. Então, me peguei começando a erguer uma barreira entre qualquer membro dessas nacionalidades, independente de qualquer outra coisa, e é aí que a gente percebe o como é fácil você construir, manter e propagar estereótipos. Então comecei a me vigiar mais. Continuo achando o fim da picada a pessoa chegar do trabalho às 9 da noite, abrir a porta e fritar o que quer que seja, batendo panelas e gritando com as crianças que saem pra brincar no corredor (e reclamo disso sempre que posso), mas tento não deixar minha vontade de empurrar certos vizinhos da escada se estender a toda a comunidade do país de onde eles vêm.

E os brasileiros?

Ah, sim, tenho amigos também entre os brazucas! Mas, surpreendentemente (ao menos pra mim), bem menos do que achei que teria. Quando vim pra cá, achei que seria meio que inevitável ficar pelo menos uns 80% do tempo em contato com brasileiros, mas acho que não fico nem 40%. E olha que conheci brasileiros pra caramba nas aulas da Universidade de Montreal. Até certo ponto, eu sei que algumas coisas me afastam: querer fazer roda de samba ou churrasco todo fim de semana como forma de "matar a saudade da terrinha" dificilmente é algo que me empolga. Em outros casos, é o próprio jeito de agir das pessoas. Como dizem por aqui, tem muita gente que sai do Brasil, mas o Brasil não sai da pessoa. Então, quando vejo conterrâneos querendo contar vantagem pra cima de recém-chegados, abanando o rabo pra ganhar afago de gringo, vestindo camisa da seleção pra tentar chamar a atenção ou rindo de tudo pra mostrar o quão alegre o brasileiro é, eu tenho uma tendência natural a ir procurar outro grupo.

Mas eu diria que esses não são a maioria. Então, talvez eu tenha menos amigos brasileiros só porque acaba que as coisas que eu gosto de fazer não são lá muito do gosto dos brasileiros que encontrei até agora. Pra vocês terem ideia, não encontrei um brasileiro disposto a se reunir no domingo à noite pra assistir Game of Thrones. Em compensação, me reúno com dois amigos de outras nacionalidades pra assistir cada episódio religiosamente. E, um ou dois dias depois, revejo o mesmo episódio na casa de um canadense que assiste online. Da mesma forma, não encontrei um brasileiro dentre os meus amigos que topasse ir assistir a uma peça do Shakespeare que foi encenada por uma companhia num dos parques perto de casa semanas atrás. E olha que era uma comédia e, o melhor de tudo, de graça!! Em compensação, um outro amigo canadense topou na hora, e um terceiro, que não conseguiu chegar a tempo, encontrou a gente depois pra uma pizza. Vai entender.


O "fracasso" e a volta

Uma outra coisa que me incomoda entre os brasileiros, mas que não é exclusividade nossa, é ver cada partida, cada retorno de um conterrâneo ao Brasil como um fracasso. Como uma oportunidade jogada fora, como uma derrota, um plano que não vingou. Poxa, às vezes a pessoa vem pra cá com um milhão de planos e ideias, com a esperança de conseguir uma vida melhor, deixa muita coisa pra trás, vem, se esforça e, no fim, sem conseguir se encaixar por um motivo ou por outro, ainda tem que ouvir essa de "fracasso". Cara, você sair do seu país e passar um, três, cinco, dez anos em outro, tendo que tomar muito na cabeça e se adaptar a todas as novidades e diferenças que te bombardeiam constantemente não é fácil! Se você conseguiu passar por isso tranquilo, que bom pra você! Mas tem gente pra quem o buraco é mais embaixo, e fico triste quando vejo alguém que resolve voltar pro Brasil se sentindo ainda pior porque "todos lá vão saber que eu fracassei". Essa não é minha definição de fracasso, mas enfim...

E tem outra: tem gente que vem pra cá, consegue exatamente o que queria, se adapta, passa a fazer parte da sociedade de verdade. São verdadeiras histórias de sucesso de qualquer perspectiva que você olhar. E, mesmo assim, em um determinado momento (um, três, cinco, dez anos depois), resolvem voltar. Seja porque percebem que querem estar perto dos pais que estão envelhecendo, porque queriam só provar para si mesmos que conseguiriam vencer o desafio de morar fora, seja porque, apesar de todas as benesses, há algo no Brasil que te faz uma falta absurda aqui.  Eu estou bem aqui agora, mas ano que vem posso não estar. Posso sentir mais falta da família do que já sinto, ou posso sentir que não estou avançando profissionalmente, ou descobrir que eu só queria mesmo passar um tempo fora e pronto. É muito fácil julgar a vida e as decisões dos outros com base nas nossas próprias ideias do que é sucesso e do que é fracasso.

Uma das coisas que acho fenomenais aqui é que as pessoas não se metem na vida alheia, e quase sempre só dão alguma opinião mais pessoal se tiver mais intimidade e se você pedir e disser que é importante pra você. É algo que a gente devia copiar, em vez de chamar animal de estimação de "pet". Qualquer vinda pra cá de um imigrante cheio de planos devia ser saudada com um "boa sorte e muito sucesso!", e qualquer retorno ao Brasil devia receber uma outra dose das mesmas palavras.


Valeu a pena?

Essa é a pergunta que eu mais ouvi e li desde que mudei pra cá. Sinto frustrar quem queira um simples "sim" ou "não", mas a resposta ainda é a mesma. Só vou saber se valeu a pena quando estiver no leito de morte, idealmente bem velhinho, mas ainda lúcido e tranquilo. Acredito que qualquer escolha que a gente faz tem consequências boas e ruins, e cada vez que nos viramos para um lado ou para outro estamos abrindo nossas possibilidades e fechando outras. Vir pra cá foi um caminho que escolhi entre vários, e teve (e ainda tem) seus lados positivos e negativos. Se eu ficar aqui até o fim da vida ou se eu voltar ao Brasil em algum momento, ou ainda se eu me mudar para um terceiro país, tudo isso terá consequências boas e ruins, e eu só vou poder avaliar o conjunto lá no final da vida, quando olhar pra trás e vir o que percorri, como percorri e onde cheguei.

Mas, pra não ficar tanto com cara de livro de auto-ajuda, posso dizer que acredito ter feito bem, sim, em largar meu emprego estável e bem remunerado pra fazer essa "aventura". Não tenho dúvidas também de que trocar São Paulo por Montreal é algo que eu faria de novo de olhos fechados se precisasse. Só a biblioteca daqui (ela não podia faltar no meu último post haha) já é motivo suficiente pra eu preferir essa cidade a qualquer outra em que já morei no Brasil. E aqui, você ainda tem a vantagem de saber que pode aproveitar todas as opções culturais sem se preocupar com sua segurança física. No Brasil... bem, digamos que se aquela peça do Shakespeare que eu mencionei ali em cima tivesse rolado no Ibirapuera em São Paulo quando eu estava por lá, provavelmente eu teria ficado em casa jogando vídeo game. Não adianta muito você ter 1001 opções culturais e restaurantes de todas as cozinhas do mundo se você tem medo de sair de casa ou prefere não estar na rua depois das 22 horas pra não dar sopa pra sequestro-relâmpago.

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É isso, minha gente. Peço desculpas pelo sumiço de meeeeeeeeeeeeeses, mesmo sabendo que o blogue é algo que faço de forma espontânea e que ninguém depende dele (nem eu). Ainda assim, sei que tinha gente que acompanhava, e agradeço de verdade a todo mundo que esteve aqui, seja desde o início, seja em qualquer outro momento. Espero que, além de servir como registro oficial da minha jornada e válvula de escape, ele tenha sido útil para algumas pessoas durante o tempo em que esteve no ar.

Àqueles que estão no processo (como quer que ele seja hoje em dia), àqueles que já estão por aqui e àqueles que estão pensando em voltar ou que já voltaram, um grande abraço e meus mais sinceros votos de BOA SORTE E MUITO SUCESSO!

Até! :)

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Certificado de Francês da Universidade de Montreal - Parte VIII

O outono chegou e, com ele, mais uma sessão de estudos de francês na Universidade de Montreal! E eu continuo me empolgando com esse tipo de coisa, mais um sinal inequívoco da nerdice que habita este que vos escreve.




Ao final da sessão de inverno, fechei doze créditos dos trinta que tenho que cumprir para o certificado. Minha ideia original era pegar duas disciplinas (seis créditos) em cada sessão e terminar tudo em dois anos. Só que duas coisas me fizeram mudar de ideia: primeiro, depois de terminar as duas primeiras sessões, eu me convenci de que o curso é tranquilo o suficiente para eu pegar mais créditos. A maioria das disciplinas tem aulas uma vez por semana apenas (embora sejam três horas a três horas e meia cada) e a quantidade de deveres, trabalhos e provas é totalmente manejável. Segundo, há algumas disciplinas que eu queria pegar que, até o momento, só foram oferecidas no período diurno. Eu estava crente que ia poder dedicar o dia à busca por emprego, mas tendo aulas de dia e de noite, a coisa complica. Então, resolvi pegar o que era possível pra finalizar o certificado, no máximo, na sessão de inverno de 2017.

Daí rolaram alguns probleminhas, sendo o principal deles o choque de horário. Também tentei pegar uma disciplina que me foi recusada. Alegaram que o curso é para quem tem, no máximo, nível 5 (e o meu é 7). Noves fora, acabou que só consegui pegar nove créditos, ou seja, três disciplinas, e isso em dias e turnos diferentes. Sabe o enigma da Esfinge pro Édipo? "O que tem quatro pernas de manhã, duas de tarde e três à noite?" Pois é, a resposta oficial agora é o Doug estudando francês na UdeM. De qualquer maneira, se eu conseguir pegar nove créditos também na sessão de inverno, ainda consigo terminar o certificado em abril. Dedos cruzados!




Os cursos que peguei foram os seguintes:

Língua e culturas: pra falar a verdade, ainda não entendi direito qual é a desse curso. Eu achei que seria uma visão sobre os países e culturas onde se fala francês, mas não sei se vai ser bem isso. Discutimos a francofonia nas duas primeiras aulas, então até aí tudo bem. Mas, segundo o plano de curso, vamos falar sobre a água (!) e sobre a felicidade (!!). A professora é francesa, mas guarda pouco daquele sotaque padrão francês. Acho que o tempo que ela já tem de Quebec deu uma entortadinha no sotaque.

Comunicação em contexto profissional: eu peguei essa disciplina só por desencargo de consciência. Muita gente corre pra esses cursos de ambientação e linguagem profissional, mas eu quase sempre os acho bem inúteis. Em geral, são fórmulas gerais para empregos gerais. Esse aqui não é muito diferente. A professora é vietnamita (!!!) e, apesar de rolar muito aquela história de "vamos simular uma reunião", há coisas interessantes sobre perguntas proibidas em entrevistas e modelos de cartas de apresentação. Nada que você não encontre fazendo uma pesquisa na Internet.

Compreensão escrita por meio de textos literários: nessa aula, me sinto como se já fosse gente grande em francês! Embora esteja longe de ser uma aula de literatura pra valer, ela dá o gostinho: temos textos e livros pra ler, temos de identificar temas, conhecer um pouco do contexto histórico e cultural das obras (embora sejam todas aqui do Quebec mesmo). A professora é quebeca, extremamente apaixonada pelo que ensina e muito motivada, o que, diga-se de passagem, é fundamental para uma aula que começa às 18 e vai até às 21:30.

O bom dessas três aulas é que elas focam bastante na escrita e na oral. Diria até que  mais na oral, pelo menos até agora, e pra mim isso é ótimo. Eu detesto trabalhos em grupo, sejam ele escritos ou orais (há um motivo simples pelo qual o Super-Homem trabalha sozinho), mas é um mal necessário nesses cursos. Já tive que fazer apresentação oral na segunda aula de Comunicação em Contexto Profissional, e foi um alívio ver que, finalmente, meu francês está fluindo mais, embora longe de ser perfeito. Outra coisa boa dessas aulas que peguei é que alguns alunos estão fazendo as mesmas, o que me deu — finalmente! — a possibilidade de pelo menos ter um pouco mais de contato com colegas de sala.

Em suma, a sessão começou bem e eu acho que será boa. Mais trabalhosa que as anteriores, mas totalmente suportável. E agora eu quero mesmo terminar isso pra poder me dedicar 100% ao mercado de trabalho, esteja o francês fluente ou não!

À bientôt!

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Ainda sobre a garganta

Passando para atualizar o episódio sobre a consulta médica. Depois de ficar (positivamente) impressionado pelo atendimento na minha primeira consulta médica nas Terras do Norte, tive que tirar alguns pontinhos no quesito "atenção ao paciente", já que não me ligaram de volta no prazo dado.

Tá certo que eu não estava morrendo, como comentei no último post, mas, ainda assim, estava esperando (em teoria; já, já explico o porquê) o diagnóstico para comprar a medicação e tomar.  Haviam me dado prazo de quarenta e oito horas, forçando um pouco depois para setenta e duas. Quarenta e oito horas daria na sexta; setenta e duas horas, no sábado, e a clínica não abre no fim de semana. Então, se a dor tivesse aumentado ou se outros sintomas tivessem surgido, eu ficaria amargando até a semana seguinte. Não ligaram até sexta à tarde, mas achei que ligariam na segunda. Nada. Terça? Também não. Até que, na quarta, eu mesmo peguei o telefone e liguei. Fui transferido para a enfermeira que, sem tocar na questão do prazo, praticamente leu o resultado do exame pra mim.

—Cultura de garganta... tá, tá, tá... material colhido em tá, tá, tá... hmm... ah, aqui! Ah, não, não é... tá, tá, tá... Ok, então é o seguinte: é bactéria mesmo, só que não é a tipo A, que é a mais comum, é a tipo C.

—E é pior? Posso tomar o antibiótico?

Ela fez silêncio por alguns segundos, o tipo da coisa que dá origem àquele pensamento de que você  só tem mais algumas horas de vida, e daí disse:

—Eu não sei dizer se o antibiótico serve para essa bactéria. Façamos assim: vou ligar para a médica agora, o senhor aguarda na linha e eu passo o que ela me falar, certo?

Eu disse que tudo bem, agradeci e esperei, mas não adiantou. Ela voltou pouco depois, dizendo que o telefone da médica estava ocupado e que me ligaria de volta dali a cinco minutos. Passaram-se cinco minutos, dez, quinze, meia hora, uma hora, duas horas, quatro... eu já estava vivendo a vida loca de novo quando, pouco depois das cinco da tarde, a própria médica me ligou. Perguntou como eu estava me sentindo, meu coraçãozinho amargurado quis dizer "estou morrendo, e a culpa é sua, que me deixou uma semana esperando pelo resultado de um exame". Mas falei que estava tudo bem. Ela foi mais específica então e perguntou sobre os sintomas, e eu disse que tudo havia desaparecido, exceto a dor na garganta, embora estivesse bem melhor. Ela então falou que o exame tinha retornado positivo para bactéria e que eu podia tomar o antibiótico, não só por ainda estar sentindo dor, mas também para termos certeza de que a bactéria foi pro saco. Falei então que ia comprar, agradeci e desliguei.

Só que aqui vai uma confissão: eu não esperei esse tempo todo pra comprar o remédio. Não tentem isso em casa sem a supervisão de um adulto, mas eu tinha 99% de certeza de que a minha infecção de garganta era bacteriana, ou, pelo menos, que não era uma infecção viral comum, que eu tinha bastante no Brasil. Então, quando não me ligaram na sexta, eu saí e comprei o antibiótico, porque não estava a fim de ficar sei lá quantos dias com dor de garganta. Comecei a tomar no sábado, seguindo a prescrição direitinho. Quando a médica me ligou, eu já estava no último dia do tratamento. Acho que até por isso só tomei a atitude de pegar o telefone e ligar depois de vários dias. Afinal, já estava medicado, os sintomas estavam sumindo, então não tive pressa. Mas que achei que foi um tanto descaso com a minha bactéria tipo C, isso achei.

Minha primeira vez na farmácia para comprar remédio controlado (antibiótico não é vendido sem receita aqui) foi mais uma pequena mostra da cultura cotidiana por aqui. Fui ao balcão dos remédios, apresentei minha receita e a atendente fez um cadastro usando minha carteira da Assurance Maladie e fazendo algumas perguntas (endereço, alergias a medicamentos, etc). Ela reteve a receita e a carteirinha e falou que eu seria atendido em um outro guichê, do outro lado do balcão, e que havia três pessoas na minha frente. Aguardei até que o farmacêutico me chamasse pelo nome. Ele perguntou rapidamente sobre o resultado do exame (eu disse que tinha dado positivo para infecção bacteriana. Eu estava lendo o futuro. Me processem), ele explicou o funcionamento do medicamento, possíveis efeitos colaterais, repetiu as instruções para o tratamento e perguntou se eu tinha dúvidas. Diante da negativa, passou a peteca para a atendente, que me devolveu minha carteirinha (mas não a receita), me deu o remédio e cobrou o valor. 

Final da história: estou com a garganta novinha em folha, conheci um pouco do atendimento nas clínicas e farmácias daqui, e a experiência foi positiva, no geral. Por mais que eu ache que a clínica devia ter me ligado (afinal, disseram que iam ligar), eu poderia ter ligado lá na sexta ou, no mais tardar, na segunda pra saber se já tinham o resultado. Não acho que eles teriam feito isso se o caso fosse mais sério, mas aí é só achismo meu. De qualquer forma, o bom é que teve final feliz! 

À bientôt!

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Lá vai o imigrante pra clínica sans rendez-vous

Durei bastante sem precisar fazer visita a um médico aqui no Quebec. Mas, como ninguém é de ferro (e fator de cura ainda é coisa de histórias em quadrinhos), chegou o momento. 

Há uns dias, acordei com a garganta e a cabeça doendo, e também com um pouco de febre. Achei que pudesse ser uma gripe ou algo do tipo (eu tinha setecentos e quarenta e nove resfriados por ano no Brasil, além de crises de alergia e sinusite) e tomei a medicação que costumo tomar pra isso. Apesar de uma melhora nos sintomas, a garganta não ficou 100%. Aí abri o bocão na frente do espelho e logo ficou bem evidente que não era algo que ia sumir só com pensamento positivo e Advil.




Apesar de tudo, não estava morrendo, então descartei ir a um hospital. Recomenda-se deixar o hospital só para as urgências, porque o tempo de espera é grande e, se você não está morrendo, todo mundo que estiver mais para o lado de lá do que o de cá vai passando na sua frente. Fiz uma pesquisa na Internet para encontrar clínicas sans rendez-vous, ou seja, aquelas nas quais você vai sem ter marcado consulta. Achei uma que tinha uma avaliação melhorzinha por parte dos usuários e que ficava a uns 15 minutos de casa. De novo, a recomendação é para que se chegue cedo nessas clínicas, porque elas costumam lotar rápido. Embora já estivesse meio "tarde" (eram 9:40 quando saí de casa), resolvi arriscar. Foi bom pra conhecer o percurso e ver que o lance de chegar cedo realmente conta: quando achei a clínica, uma plaquinha na frente já anunciava: "Le sans rendez-vous est complet" (ou, em bom português, "cabô por hoje").

Achei que nem valia a pena sair à caça de outra clínica naquela hora, já que a situação provavelmente seria a mesma. E, de novo, eu não estava morrendo. Resolvi então acordar com as galinhas no dia seguinte (ou com os operários da construção na frente do meu prédio, o que dá praticamente na mesma. O povo madruga) e tentar a sorte de novo. A clínica abre às 7:30, e às 7:29 lá estava eu, o imigrante, em pé, na frente da porta, acompanhado apenas por uma mulher que estava agachada olhando o celular. "Tem gente realmente pior que eu", pensei. Logo apareceram outras pessoas e se formou uma pequena fila na frente da clínica. Às 7:33, a recepcionista abriu as portas. Fui o terceiro a ser atendido (deixei uma senhora, que estava lá antes de mim, mas na frente da porta errada, passar na minha frente). Quando chegou minha vez, ensaiei pra falar inglês, mas foi o francês que saiu. Falei que era minha primeira vez e que gostaria de ver um médico, mas não tinha hora marcada. Ela, sem sorrisos, mas profissional, pegou minha carteirinha da Assurance Maladie, fez um cadastro rápido (telefone e endereço) e me devolveu a carteirinha com  uma etiqueta com o número do meu dossiê. Aí a meia surpresa (porque eu já tinha lido casos assim): embora seja sem consulta marcada, o sans rendez-vous lá funciona com hora marcada. Ela pediu para eu voltar às 15 horas para ser atendido. E lá o imigrante foi cuidar da vida, porque ficar sete horas esperando lá, só se não tivesse mais nada pra fazer, néam?



Voltei à clínica às 14:50. Falei para a recepcionista (que era diferente da pessoa que me atendeu pela manhã) que tinha um horário sans rendez-vous (até agora acho isso meio insólito) às 15. Ela checou no computador e pediu para eu aguardar na sala de espera. Ambas as recepcionistas foram profissionais, mas não exatamente simpáticas. Raramente olharam para a minha cara e tinham aquele jeito de falar e agir de quem já conhece a rotina ali de trás pra frente, então não há muito espaço para sair do roteiro. Fui me sentar e só então prestei atenção de verdade na clínica: gente, juro que eu tinha a impressão de estar na sala de espera de algum dermatologista pra fazer limpeza da cútis. Poltronas, tapetes, quadros informativos, tudo tinindo de limpo e com cara de novo. Eu só havia entrado em uma clínica aqui antes, quando acompanhei o amigo que me hospedou num dia em que ele acordou não se sentindo bem, e já achei o lugar onde ele foi com cara de clínica privada. Essa na qual eu fui (Centre Médical Square Victoria) conseguiu ter aparência ainda melhor. Não faço ideia se todas as clínicas são desse tipo, mas essa me deu uma ótima impressão.

Não deu nem cinco minutos que eu estava sentado, uma enfermeira me chamou e me levou para uma sala de triagem. Pediu para eu sentar e descrever o que estava sentindo. Ela digitava todas as informações em um computador, fazia uma pergunta aqui, outra ali e, ao final, aferiu minha pressão e a minha temperatura. Em seguida, pediu para eu voltar para a sala e aguardar. Dez minutos depois, a médica me chamou. Extremamente cordial, pediu para eu me sentar e já falou: "A garganta está incomodando muito?" — sinal de que o meu prontuário foi eletronicamente da sala de triagem para o computador dela. Relatei novamente os problemas, ela me fez perguntas e me examinou. No fim, disse que estava em dúvida se eu estava com infecção viral ou bacteriana, porque eu tinha sintomas de ambas. Eu aproveitei e disse que eu tinha um histórico de infecções virais e que, por isso mesmo, achava que essa não era. Ela perguntou em quanto tempo eu me curava normalmente das virais e eu falei que os sintomas costumavam desaparecer completamente entre de 3 a 4 dias após a primeira manifestação, e eu tomava apenas medicação para aliviar os sintomas. A médica disse então que era provável que fosse bacteriana, mas que só com uma cultura pra saber. Ela informou que a cultura poderia ser feita ali mesmo, mas, como a clínica não realiza as análises no local, eu teria que pagar uma taxa para o transporte e análise do material. Eu disse que tudo bem.

—E eles mandam o resultado do exame direto pra cá? — perguntei.

—Mandam. Fica pronto em até 48 horas — respondeu a médica.

—E eu tenho que marcar agora pra voltar?

A médica parou, me olhou e franziu as sobrancelhas.

—Voltar?

—É — eu falei, achando que tivesse falado alguma bobagem em francês — Quer dizer, eu vou ter que voltar aqui pra saber o resultado e saber a medicação, né? Então já deixo marcado agora? Ou como funciona?

—Não, o senhor não precisa voltar — ela respondeu, meio incrédula — A não ser, claro, que não apresente melhoras. Eu vou lhe dar uma receita de antibiótico e o senhor vai ficar com ela. Quando o laboratório mandar o resultado da cultura, nós ligamos para o senhor para confirmar o diagnóstico e, se for realmente bactéria, o senhor pode começar a tomar o antibiótico. Não há necessidade de marcar nova consulta.

Acho que fiquei um tempinho com a boca aberta, mas consegui dar aquele sorriso meio sem graça e disse que não sabia, que era a primeira vez que eu estava me consultando com um médico no Quebec. Aí ela riu também, como quem diz "ah, agora eu entendi" e me explicou o funcionamento da clínica em linhas gerais, mas deixou claro que outras clínicas fazem certas coisas de maneira diferente. Achei essa médica bastante atenciosa e cordial. Eu, pra variar, estava com receio de ter dificuldade para entender e me fazer entender, mas foi bem mais tranquilo do que pensei, tanto pela simplicidade do atendimento como pelo nível linguístico necessário para interagir com o pessoal lá. Foi um alívio e tanto!

Agradeci e voltei à recepção, onde a secretária profissional fez a parte burocrática do pedido de cultura (incluindo a cobrança: 35 moedas de ouro canadenses) e me encaminhou para uma moça. Esta, por sua vez, me levou novamente para a sala de triagem, realizou a coleta em 2,47 segundos e me disse novamente que eles me ligariam para informar o resultado. Agradeci mais uma vez e, após aproximadamente 40 minutos de permanência na clínica, fui embora.

Posso dizer que fiquei bastante satisfeito — e surpreso! — com o atendimento geral. Já li tanta história de terror por aí que eu vivia agradecendo aos céus o fato de não ter precisado de atendimento médico de nenhum tipo até então. E agradeço mais ainda por, agora que precisei, ter sido algo simples e ter conseguido um bom atendimento. Vale lembrar que essa foi UMA experiência de UMA pessoa (este que vos escreve) em UMA clínica em UMA cidade do Canadá, para tratar de UM problema simples com UMA médica específica. Ou seja, você aí que está lendo, não tome esse relato como um exemplo da "saúde pública canadense" ou coisa do tipo. Pode ser que a média geral seja assim mesmo, ou pode ser que eu tenha tido sorte. Enfim, ainda assim, se você já está por aqui, pode valer a pena ir a essa clínica se você já não tiver uma de que goste. Ah, e se tiver passado por experiências semelhantes ou diferentes, nessa ou em outras clínicas ou hospitais, fique à vontade para colocar nos comentários. É o tipo de informação que vale a pena repassar :)

À bientôt!

terça-feira, 16 de agosto de 2016

O imigrante "sabão"

Quem já mora há algum tempo fora sabe: existem vários tipos de imigrantes por aí. Tem o deslumbrado, o reclamão, o chorão, o ensandecido, o mil-sorrisos, o medroso, o amigão, o batalhador... mas hoje vou focar num tipo que é relativamente comum (e irritante): o imigrante "sabão".

(Antes que alguém deduza que o post terá algo a ver com limpeza, explico: "sabão", no caso, é uma singela homenagem a uma história da Turma da Mônica que eu li quando moleque. Nela, o pessoal da Turma chamava de "sabão" alguém que sabia muito. Bem linguagem de criança: o cara sabe muito, então, é um "sabão".)




Quando cheguei aqui, recebi ajuda de várias formas. Teve o meu amigo que me hospedou por um mês e meio até eu encontrar meu apartamento; teve conhecidos que me deram dicas sobre onde ir para encontrar certas coisas de que precisava; e alguns que me contaram coisas que aconteceram com eles para que eu ficasse atento a certas questões aqui. Pra quem está chegando, ajuda é sempre bem-vinda. Aliás, não só pra quem está chegando. Você pode estar vivendo há anos fora; se alguém te fala algo sobre a cidade, um serviço ou produto que você não conhecia, é sempre bom. Melhor ainda quando é num bate-papo descontraído.

O problema é quando uma pessoa acredita ter a chave para o fim de todos os problemas que te afligem. Ou às vezes ela nem tem, mas ela faz questão de contar como ela evitou esses mesmos problemas ou situações pelas quais você está passando por ser mais esperta, mais bem informada, mais popular, ter mais dinheiro, mais amigos ou conhecidos... enfim, ser melhor que você. E não só melhor que você. Melhor que todos os outros imigrantes. O imigrante "sabão" é assim: tudo que ele fez e faz é melhor do que o que todo mundo fez e faz, não importa em que área da vida.

Por exemplo: estava eu num café um tempo atrás com alguns imigrantes. Uma das pessoas do grupo falou sobre a dificuldade que estava tendo para receber uma autorização para trabalhar. O cônjuge dela veio com permissão de estudos e ela deveria ter recebido a autorização para trabalhar, mas, por algum motivo que ela não quis expor para o resto de nós (afinal, somos apenas "conhecidos"), estava demorando a sair e ela estava preocupada. Enfim, era apenas uma pessoa passando por uma situação difícil e buscando apoio e compreensão das pessoas em volta. Mas, dentre essas pessoas, estava um imigrante "sabão". A pobre moça teve que ouvir que ela devia ter lido mais a respeito do visto e se preparado melhor, porque imigração não é brincadeira. Que há vários casos de imigrantes que vem no oba-oba e que acabam se dando muito mal. Que há órgãos que podem ajudar a ver o que está acontecendo, é só procurar no Google.




E, como todo imigrante "sabão", ele não pode simplesmente orientar: ele tem que mostrar que ele sabe e que o que ele fez é o melhor. Depois da "ajuda", ele teve que narrar como, desde antes de sair do país dele, ele contatou várias pessoas aqui em Montreal para saber direitinho de todos os direitos e deveres dele. Não se fiou apenas no que leu nos sites oficiais e nem em blogues, que são cheios de gente mal informada. Ele leu, trocou e-mails, imprimiu manuais, telefonou, fez estudo comparativo de casos, de modo a não poder ser contestado em nenhum momento. Em suma, ele fez tudo e se deu bem; a outra fez pouco e, por isso, estava se dando mal. Azar o dela. Agora aguenta. 

Num outro lugar, uma pessoa perguntou qual o seguro residencial que as pessoas do grupo haviam contratado. Uma imigrante "sabona", em vez de responder a pergunta simplesmente, disse

—Olha, é obrigatório ter seguro. Se você não tiver, você pode ser responsabilizado criminalmente se o fogo começar na sua casa. Se você não tem, tem que correr pra fazer. Acho que pode até ter problemas para que te aceitem se você estiver morando há muito tempo sem seguro, porque aqui eles levam a sério e alguém que não tem seguro levanta suspeitas. Eu, quando cheguei, encontrei uma corretora ma-ra-vi-lho-sa, que me orientou em tudo, me explicou todos os detalhes e, graças aos céus, estou protegida desde o primeiro dia. Agora que tenho uma casa, então, durmo tranquila sabendo que não corro riscos.




Obrigado pelo texto de comercial. Mas responder a pergunta, que é bom, nada. Qual o seguro você contratou? Foi de banco? De seguradora? E a corretora ma-ra-vi-lho-sa, cadê o número, o contato, alguma coisa? E detalhe: nem tudo que ela falou procede.

Mas o imigrante "sabão" é assim. Se você tem conta no banco X, ele tem conta no banco Y e enumera todas as vantagens que ele recebe por ser cliente do banco e que você, como cliente do banco X, não tem. Se você faz transferência usando o método W, ele dá risada porque esse método cobra uma taxa de serviço absurda. O método que ele usa (que ele ou não revela, ou só revela depois do discurso de vitória, e isso se alguém perguntar de novo) faz com que ele economize muito mais que todas as outras pessoas e alienígenas do universo. Se você achou caro o pacote de açúcar que comprou no supermercado da esquina, ele põe na ponta do lápis quão pouco ele gasta com compras do mês — e provavelmente comendo mais e melhor que você. Se você quer fazer um curso de inglês e não sabe bem onde procurar, o imigrante "sabão" já fez vários, de "the book is on the table" até "how to hold your shit together when you are lecturing about quantum mechanics", sempre com excelentes professores e resultados excepcionais. Se você gosta de sorvete de morango, ele já provou o melhor sorvete de morango de Montreal, trazido diretamente de Nárnia, e conhece o dono da fábrica. Às vezes, ele está aqui só há um pouco mais de tempo que você, mas pode confiar: ele já viveu muito mais e já é "da terrinha", enquanto você, pobre mortal, ainda está lutando para decorar o nome da estação de metrô mais próxima da sua casa.

O que nutre esse comportamento, acredito eu, não é só uma simples vontade de aparecer: é a necessidade de competir, de se comparar com os outros e se sair vencedor. Muitos imigrantes veem sua nova vida aqui como uma espécie de tarefa que precisa produzir frutos grandes, brilhantes, lustrosos e abundantes para serem colocados na vitrine. Aliás, é só ver como a maioria dos imigrantes (e dos que sonham em imigrar, mas ainda não conseguiram) veem o retorno de alguém ao seu país de origem como uma derrota. "Ué, voltou? Ih, coitado(a), foi pro Canadá achando que ia virar barão e se deu mal. Agora vai ter que se virar no Brasilzão/Chilezão/Marrocão/Nepalzão". Poucos param pra pensar que, na verdade, desconhecem as razões que levam as pessoas a voltar. Ainda assim, a volta quase sempre é encarada como derrota, independente dos motivos, como se anos passados fora do país de origem fossem desprezíveis só porque a pessoa "não ficou pra sempre". Daí a necessidade (imaginária, mas incorporada por quase todos como ossos do ofício de imigrante) de ter que mostrar que está bem no novo país. Há quase uma obrigação pessoal de relatar constantemente tudo de bom que está ocorrendo, como as coisas são melhores do que se esperava, como você está vivendo o "sonho" (não gosto dessa palavra nesse sentido, mas explico isso outra hora). É uma cobrança, provavelmente muito mais interna do que externa. E essa cobrança leva aos "sabões", que parecem sentir que precisam se comparar o tempo todo com quem está à sua volta, e que se sentem exultantes quando percebem que sua história é "melhor" que a dos outros.

Enfim, os imigrantes "sabões" estão por aí, e é preciso lidar com eles. O melhor, na minha opinião, é só escutar cordialmente e, assim que ele fechar a boca, mudar o rumo da conversa. Eles detestam não estar "instruindo" as pessoas à sua volta, então, quanto menos você ficar impressionado com a narrativa deles, melhor. Só tomem cuidado para não se tornarem um deles.

À bientôt!

sábado, 6 de agosto de 2016

E a minha resposta é...

... que eu não vou encarar a McGill.

Não tomei essa decisão feliz e contente. Durante um bom tempo, eu acalentei a possibilidade de voltar a estudar, fazer um outro bacharelado e, assim, tentar encontrar alguma coisa que me interessasse o suficiente para que eu quisesse correr atrás. Namorei alguns cursos da McGill e de outras universidades ao longo dos últimos anos, e fiquei me imaginando voltando a estudar, obtendo um diploma universitário daqui do Quebec e começando uma nova profissão aqui. Então, apesar de a vida aqui ter me feito pensar menos em fazer faculdade, dá pra imaginar que, além da surpresa de ter sido aceito na McGill, eu fiquei muito animado.

Só que, parando pra pensar depois da euforia, comecei a considerar as coisas. Eu entraria lá sem fazer muita ideia do que estudar e em que me formar. Começar um curso universitário não sabendo o que você quer fazer não me parece lá uma decisão muito acertada, ainda mais levando-se em conta que eu precisaria fazer uma dívida com o governo para poder bancar os estudos, mesmo que parcialmente. Em seguida, tem o fato de que um diploma na área de Humanas não é exatamente, digamos assim, extremamente requisitado no mercado de trabalho. Suponhamos que eu saia com um diploma em História, Literatura Inglesa ou Filosofia. No mercado de hoje, o que se faz com isso? Até mesmo para dar aulas eu precisaria de Mestrado e Doutorado, o que implicaria passar mais uns seis ou sete anos estudando (e lá vai dívida) para desembarcar num mercado acadêmico que está bem saturado, de acordo com tudo que li a respeito.

E, para finalizar, tem a questão da idade. Não, não é que eu ache que 36 anos é uma idade avançada para se aprender coisas novas (=tô véio pra essa bagaça). Eu nem acho que exista idade limite pra se aprender nada, desde que você esteja querendo aprender. Mas a questão é o mercado novamente: ainda que eu saísse da universidade em quatro anos (supondo-se que eu realmente desse conta de fazer tudo no tempo previsto), eu chegaria ao mercado com 40 anos e sem experiência profissional relevante (porque os empregos de verão que eu provavelmente pegaria não são lá um grande divisor de águas pra ninguém) e com um diploma daqui, mas em uma área pffff. Os canadenses podem ser bem mais abertos em relação ao fator idade, mas, como um dos meus amigos quebecos colocou na nossa última conversa, não é porque são mais abertos que vão escolher quem tem mais idade em detrimento de quem tem mais experiência.

No fim das contas, depois de pensar bastante, acho que embarcar nessa seria extremamente gratificante do ponto de vista pessoal (sou nerd, gente, gosto de estudar), mas uma jogada não muito boa do ponto de vista de profissão e carreira. Se eu curtisse muito uma área específica, fosse apaixonado por curso, ainda talvez valesse a pena correr o risco. Mas entrar às cegas na universidade torcendo para que eu encontre alguma coisa que me interesse e que me leve a uma carreira (e ainda criando dívida no processo) talvez seja forçar um pouco a barra.

Então é isso. Apesar de meu raciocínio ser esse, ainda não consegui ir lá no sistema da McGill e clicar em "decline". Tenho só mais dois ou três dias de prazo, mas acho que essa decisão não vai mudar. Em algum lugar, espero que alguém que está na lista de espera da McGill fique feliz :)

À bientôt!

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Entrei na McGill! :) (2)

Eu não consigo acreditar até agora, mas parece que é pra valer: entrei na McGill (de novo), e dessa vez a coisa ficou séria!!



Mas eu sei que uma parte eu não contei: ano passado, depois de terminar o curso de inglês da McGill, tive que começar a pensar no que fazer da vida. É um assunto extremamente inquietante pra mim, porque eu tenho essa ideia de que gostaria de ter uma carreira de fato (embora hoje eu saiba muito bem que isso não é necessário), mas, ao mesmo tempo, não tenho muita ideia do que gostaria de fazer. Depois do curso de inglês, eu já havia resolvido que prosseguiria parcialmente nos estudos fazendo o Certificado de Francês da Universidade de Montreal; mas e aí? O que fazer "de verdade", como trabalho? Ou melhor, como profissão, como carreira, a longo prazo (já que empregos sempre existem nos classificados)? Nada de novo no fronte. Uma coisa me interessa aqui, outra chama a minha atenção ali, mas nada que faça os olhos brilharem. E aí?

No meio da indecisão, e como eu nunca gostei de ficar parado esperando o raio divino (embora tenha tentado mais de uma vez), resolvi fazer a inscrição pra fazer um bacharelado na McGill. Bacharelado em quê? Não sabia; e o formulário de inscrição só pedia pra eu escolher uma das Faculties ou Schools, então não precisava resolver ali na hora. Escolhi a Faculdade de Artes e mandei ver.

Isso foi em outubro do ano passado. De lá pra cá, houve momentos em que fiquei extremamente ansioso e momentos em que eu dei risada do que tinha feito. Afinal de contas, já imaginou? Eu, com 36 anos, fazendo bacharelado em (interrogação) na McGill, tida como uma das melhores do Canadá? Tendo que fazer trabalho em grupo com a molecada de 20 anos, estudar pra prova, fazer empréstimo junto ao governo pra bancar os estudos? Me formar perto dos 40 anos, provavelmente em algo que não tem muita perspectiva de emprego, pra só então voltar ao mercado de trabalho (isso se não precisar de um Mestrado ou Doutorado)? Faz-me rir, né? De qualquer forma, nunca pensei que minhas chances fossem muito altas; não fiz inscrição para nenhuma outra universidade, talvez porque, em parte, eu quisesse ouvir um "não"; o "não" da McGill me daria um direcionamento, nem que fosse o de arrumar um emprego pra pagar as contas.

Mas aí, abro o sistema de admissão deles — de forma automática como vinha fazendo desde maio — e, na linha de status, em vez do "Reviewed - Decision Pending" que eu sempre via, tava lá um "Admitted". Juro que o coração parou. Foi um susto ENORME, posso garantir. Rolei a tela pra cima e pra baixo tentando encontrar os dizeres "Pegadinha do Malandro!!!", mas não tinha. O que tinha era o link para a carta formal de aceitação.

E agora, José?

Eu tô num misto de alegria, ansiedade, medo, empolgação, dúvida e angústia. Ao mesmo tempo que penso que já chutei o balde-mor deixando meu emprego e meu país para vir aqui ver "de qualé" e que, por isso mesmo, embarcar nessa experiência não seria pior, penso também que talvez seja tapar o sol com a peneira... que talvez, por não ter exatamente um plano eu devesse simplesmente deixar pra lá isso e tratar de arrumar trabalho antes que meu prazo de validade expire.

O que você faria?

À bientôt!