E já faz meeeeeeeeeeses que não apareço por aqui! Eu poderia dar a desculpa preferida de todos, a famigerada "falta de tempo", mas todos sabemos que isso é balela. A verdade, no meu caso, é que o blogue sempre foi uma maneira de extravasar a tensão e a ansiedade, além de tentar ajudar quem estava na árdua caminhada da imigração. Só que, depois que você estabelece uma certa rotina, a vida passa a ser como qualquer outra vida. Claro, há sempre pessoas novas chegando (e antigas partindo), lugares sendo descobertos e por aí vai, mas isso deixa de ser algo que te faz pensar "hmm, tenho que contar isso lá no blogue!". Enfim, ensaiei um retorno várias vezes, mas, finalmente, admiti pra mim mesmo que é hora de dar tchau.
Mas não queria simplesmente sumir e não dizer mais nada. Sei que algumas pessoas acompanhavam o bloque de perto, e até hoje vejo que ele gera um certo tráfego. Também ainda recebo um ou outro e-mail, em geral pedindo ajuda sobre o processo. Infelizmente, as coisas já mudaram tanto, mas TANTO desde que entrei nessa saga que pouco do que já escrevi no blogue pode ser aproveitado. Então, acho que nada mais justo que terminar o blogue com uma postagem final, ainda que com — de novo — meeeeeeeeeeeses de atraso.
O que vou tentar fazer é resumir os pontos mais importantes que eu pensei em abordar em posts separados. Vai ser uma espécie de resumão do final de último episódio daquela sua série que foi cancelada haha. E pra tentar não parecer um texto longo demais (eu sei que vai ser longo... passei cinco anos aqui dizendo que tinha que escrever menos), vou dividir em tópicos.
O Curso de Francês da Universidade de Montreal
Terminei o bendito em abril passado! É um pouco complicado falar sobre o curso agora depois de meses do término porque tendo a querer focar nas coisas boas. O curso me foi útil, sem dúvida, mas eu diria que mais pela oportunidade de poder falar francês várias vezes por semana do que pelo conteúdo em si. Algumas (poucas) aulas e professores foram excelentes, outras foram terríveis. Na última sessão tive a pior professora de francês da história da humanidade e quiçá das galáxias. Foi tão ruim, mas tão ruim, que a turma toda se uniu pra fazer uma avaliação destruidora da mulher. Em todo caso, ela foi a exceção. A maioria dos professores são apenas ok, e uns poucos conseguem ser inspiradores. Em se tratando de conteúdo, porém, a maioria das aulas foi meio que inútil pra mim.
Então eu não recomendo o certificado da Universidade de Montreal? Acho que não dá pra recomendar ou não recomendar de forma geral. Depende muito do nível de francês com que você chega lá. Assim como aconteceu com o inglês, eu tinha uma trava mental por causa do meu transtorno de ansiedade, mas, no caso do francês, eu tinha (e ainda tenho) deficiências no uso do idioma. As aulas serviram pra eu identificar esses pontos e estudar em casa, sozinho. Mas, de resto, o aproveitamento foi mínimo. Um aluno que tenha menos francês que eu vai achar as aulas mais proveitosas, e quem tem francês muito básico vai achar o curso até difícil. Mas, como uma das professoras me disse na nossa última aula (e essa mulher virou um modelo de vida pra mim por motivos que eu precisaria de outro post pra explicar), o nível do certificado é, de fato, muito baixo. Então eu não deveria me surpreender se só tirei A.
Enfim, qualidade do curso à parte, foi mais uma etapa que me propus a fazer aqui (porque nem tinha como eu tentar francisation com o meu nível, considerado "avançado") e terminei com louvor! Trinta créditos universitários no bolso, diploma bonitinho emoldurado e a possibilidade de até usar o curso pra integrar um bacharelado mais pra frente, se eu quiser.
Falando em universidade...
Se você que está lendo estas linhas acompanhou o blogue ano passado, sabe que fui aceito pela Universidade McGill pra cursar um bacharelado, e que eu provavelmente cursaria História ou Literatura Inglesa. Deve saber também que acabei não indo adiante com isso, basicamente porque, por mais que a ideia em si me atraísse demaaaaaaaaaaaaais, no mundo em que vivemos isso, na maioria das vezes, se traduz em zero ofertas de emprego. Seguir na área acadêmica seria pior ainda, porque eu levaria por volta de dez anos para terminar faculdade, mestrado e doutorado. E, se está ruim para quem está ganhando o diploma de Doutor com 28 anos, imagina para alguém que terminaria o calvário com 48... então, lado racional falando mais alto, não parece valer a pena.
O que não quer dizer que eu, volta e meia, não pense que não deveria chutar o balde (de novo) e seguir em frente com a ideia. Afinal de contas, quem sabem o dia de amanhã, né? Tenho amigos e familiares que tinham uma vida estável e que, por um motivo ou por outro, se viram sem emprego do dia pra noite, e isso em áreas tidas como "mais seguras". Aí vem aquela pergunta clássica: quer passar a vida fazendo servicinho insignificante de escritório até os 70 anos e morrer de tédio sem ter feito nada de útil da vida ou quer tentar fazer algo que soa totalmente louco e que pode te fazer morrer de fome aos 50? (Claro que dificilmente as coisas são drásticas assim, mas já sentiu que eu gosto de um drama existencial, né?)
Enfim, pelo menos por enquanto, continuo com a primeira opção, a do tédio aos 70. Cada vez que começo a suspirar lendo algum livro de algum historiador sobre a Roma Antiga ou a Revolução Russa e o bichinho da volta à universidade começa a coçar, vou ao Google pra ler os mais novos dados sobre como continua quase impossível seguir a carreira acadêmica na área das Humanas. E isso pelo menos me consola o suficiente pra não pensar no assunto por dois ou três meses.
Trabalho
Pois é, algo que é tão vital na vida de qualquer pessoa e mais ainda na de um imigrante finalmente aconteceu e passou batido por aqui! Depois de terminar meu curso na Universidade de Montreal, mandei alguns currículos e fui chamado pra trabalhar na minha área (tradução). Estou aprendendo bastante por lá e sou grato demaaaaaais por essa oportunidade! É muito cedo ainda para pensar se vou ficar pouco ou muito tempo por lá, mas o bom é que agora já tenho alguma experiência profissional no Canadá, o que é sempre muito útil quando você está à procura de emprego — sem falar em parar ou, pelo menos, diminuir as remessas de dinheiro do Brasil pra cá.
Tenho colegas de profissão de várias nacionalidades e um ambiente bastante tranquilo. Me surpreendeu a informalidade do lugar. Não sei se é geral (eu chutaria que não é), mas fui para o meu primeiro dia de calça e sapato social e me senti um alienígena em missão de paz. Todos, sem exceção, do estagiário ao chefe do meu chefe, estavam de calça jeans, tênis e tinha um até com uma boina! Nesse dia, não quis levantar nem pra ir ao banheiro, que era pra chamar o mínimo de atenção possível. De lá pra cá, já me ajustei nesse sentido. Quanto ao ambiente, é tranquilo. Meu chefe é bastante cordial e prestativo, mas tenho a impressão de que as relações de trabalho são realmente impessoais, como algumas pessoas já haviam me dito. Quer dizer, as pessoas têm o seu espaço e elas convivem enquanto estão ali. Não vi ainda nada ali que pareça algum laço de amizade ou companheirismo mais forte entre quem já trabalha lá há mais tempo (porque eu, como novato, não tenho laço algum, néam?). Mas veremos.
Amigos e vida social
Eu sou a pior pessoa pra falar sobre isso porque sempre curti mais atividades "de velho" do que as muvucas em que muitas pessoas gostam de estar. Pra mim, "curtir a vida" pode ser fazer uma viagem pra Cancún e deitar na areia até fazer bolha como pode ser ler um livro sobre, digamos, a época em que os mongóis invadiram a Índia. Então, por natureza eu não sou nem nunca fui um cara com trocentos amigos, mas sempre estive bem assim (ou quase. Ah, a adolescência...). Ainda assim, me surpreendi comigo mesmo com a facilidade com que conheci e fiz amizade com as pessoas aqui. De nativos a imigrantes, nunca tive problemas em me aproximar, puxar papo e engatar uma conversa. E isso independente de idade. Uma das minhas colegas de classe mais próximas no último ano era uma menina de 22 anos de Toronto, que fez faculdade na McGill e estava se preparando para estudar Direito lá também. Da mesma forma, tenho amigos com mais de 40 anos que são funcionários públicos, técnicos de laboratório, contadores, mas, acima de tudo, pessoas super legais. É muito bom ver que, desde que você respeite o estilo de vida daqui e o espaço individual, as pessoas dificilmente serão gratuitamente agressivas com você (fora um ou outro caixa de supermercado ou garçon tendo um dia difícil, mas nada é perfeito, né?).
Por outro lado, comecei a me dar conta de que eu estava desenvolvendo certas birras contra certas nacionalidades. Alguns povos têm a PÉSSIMA mania de cozinhar de porta aberta, lavar louça e passar o aspirador às duas da manhã, chamar os amigos pra uma confraternização mesmo quando seu apartamento é um cubículo e você acaba precisando deixar metade dos convidados no corredor socializando com todo mundo que passa... são situações que você pode encontrar em qualquer lugar, em qualquer país, mas notei que acontecem mais com algumas nacionalidades específicas. Então, me peguei começando a erguer uma barreira entre qualquer membro dessas nacionalidades, independente de qualquer outra coisa, e é aí que a gente percebe o como é fácil você construir, manter e propagar estereótipos. Então comecei a me vigiar mais. Continuo achando o fim da picada a pessoa chegar do trabalho às 9 da noite, abrir a porta e fritar o que quer que seja, batendo panelas e gritando com as crianças que saem pra brincar no corredor (e reclamo disso sempre que posso), mas tento não deixar minha vontade de empurrar certos vizinhos da escada se estender a toda a comunidade do país de onde eles vêm.
E os brasileiros?
Ah, sim, tenho amigos também entre os brazucas! Mas, surpreendentemente (ao menos pra mim), bem menos do que achei que teria. Quando vim pra cá, achei que seria meio que inevitável ficar pelo menos uns 80% do tempo em contato com brasileiros, mas acho que não fico nem 40%. E olha que conheci brasileiros pra caramba nas aulas da Universidade de Montreal. Até certo ponto, eu sei que algumas coisas me afastam: querer fazer roda de samba ou churrasco todo fim de semana como forma de "matar a saudade da terrinha" dificilmente é algo que me empolga. Em outros casos, é o próprio jeito de agir das pessoas. Como dizem por aqui, tem muita gente que sai do Brasil, mas o Brasil não sai da pessoa. Então, quando vejo conterrâneos querendo contar vantagem pra cima de recém-chegados, abanando o rabo pra ganhar afago de gringo, vestindo camisa da seleção pra tentar chamar a atenção ou rindo de tudo pra mostrar o quão alegre o brasileiro é, eu tenho uma tendência natural a ir procurar outro grupo.
Mas eu diria que esses não são a maioria. Então, talvez eu tenha menos amigos brasileiros só porque acaba que as coisas que eu gosto de fazer não são lá muito do gosto dos brasileiros que encontrei até agora. Pra vocês terem ideia, não encontrei um brasileiro disposto a se reunir no domingo à noite pra assistir Game of Thrones. Em compensação, me reúno com dois amigos de outras nacionalidades pra assistir cada episódio religiosamente. E, um ou dois dias depois, revejo o mesmo episódio na casa de um canadense que assiste online. Da mesma forma, não encontrei um brasileiro dentre os meus amigos que topasse ir assistir a uma peça do Shakespeare que foi encenada por uma companhia num dos parques perto de casa semanas atrás. E olha que era uma comédia e, o melhor de tudo, de graça!! Em compensação, um outro amigo canadense topou na hora, e um terceiro, que não conseguiu chegar a tempo, encontrou a gente depois pra uma pizza. Vai entender.
O "fracasso" e a volta
Uma outra coisa que me incomoda entre os brasileiros, mas que não é exclusividade nossa, é ver cada partida, cada retorno de um conterrâneo ao Brasil como um fracasso. Como uma oportunidade jogada fora, como uma derrota, um plano que não vingou. Poxa, às vezes a pessoa vem pra cá com um milhão de planos e ideias, com a esperança de conseguir uma vida melhor, deixa muita coisa pra trás, vem, se esforça e, no fim, sem conseguir se encaixar por um motivo ou por outro, ainda tem que ouvir essa de "fracasso". Cara, você sair do seu país e passar um, três, cinco, dez anos em outro, tendo que tomar muito na cabeça e se adaptar a todas as novidades e diferenças que te bombardeiam constantemente não é fácil! Se você conseguiu passar por isso tranquilo, que bom pra você! Mas tem gente pra quem o buraco é mais embaixo, e fico triste quando vejo alguém que resolve voltar pro Brasil se sentindo ainda pior porque "todos lá vão saber que eu fracassei". Essa não é minha definição de fracasso, mas enfim...
E tem outra: tem gente que vem pra cá, consegue exatamente o que queria, se adapta, passa a fazer parte da sociedade de verdade. São verdadeiras histórias de sucesso de qualquer perspectiva que você olhar. E, mesmo assim, em um determinado momento (um, três, cinco, dez anos depois), resolvem voltar. Seja porque percebem que querem estar perto dos pais que estão envelhecendo, porque queriam só provar para si mesmos que conseguiriam vencer o desafio de morar fora, seja porque, apesar de todas as benesses, há algo no Brasil que te faz uma falta absurda aqui. Eu estou bem aqui agora, mas ano que vem posso não estar. Posso sentir mais falta da família do que já sinto, ou posso sentir que não estou avançando profissionalmente, ou descobrir que eu só queria mesmo passar um tempo fora e pronto. É muito fácil julgar a vida e as decisões dos outros com base nas nossas próprias ideias do que é sucesso e do que é fracasso.
Uma das coisas que acho fenomenais aqui é que as pessoas não se metem na vida alheia, e quase sempre só dão alguma opinião mais pessoal se tiver mais intimidade e se você pedir e disser que é importante pra você. É algo que a gente devia copiar, em vez de chamar animal de estimação de "pet". Qualquer vinda pra cá de um imigrante cheio de planos devia ser saudada com um "boa sorte e muito sucesso!", e qualquer retorno ao Brasil devia receber uma outra dose das mesmas palavras.
Valeu a pena?
Essa é a pergunta que eu mais ouvi e li desde que mudei pra cá. Sinto frustrar quem queira um simples "sim" ou "não", mas a resposta ainda é a mesma. Só vou saber se valeu a pena quando estiver no leito de morte, idealmente bem velhinho, mas ainda lúcido e tranquilo. Acredito que qualquer escolha que a gente faz tem consequências boas e ruins, e cada vez que nos viramos para um lado ou para outro estamos abrindo nossas possibilidades e fechando outras. Vir pra cá foi um caminho que escolhi entre vários, e teve (e ainda tem) seus lados positivos e negativos. Se eu ficar aqui até o fim da vida ou se eu voltar ao Brasil em algum momento, ou ainda se eu me mudar para um terceiro país, tudo isso terá consequências boas e ruins, e eu só vou poder avaliar o conjunto lá no final da vida, quando olhar pra trás e vir o que percorri, como percorri e onde cheguei.
Mas, pra não ficar tanto com cara de livro de auto-ajuda, posso dizer que acredito ter feito bem, sim, em largar meu emprego estável e bem remunerado pra fazer essa "aventura". Não tenho dúvidas também de que trocar São Paulo por Montreal é algo que eu faria de novo de olhos fechados se precisasse. Só a biblioteca daqui (ela não podia faltar no meu último post haha) já é motivo suficiente pra eu preferir essa cidade a qualquer outra em que já morei no Brasil. E aqui, você ainda tem a vantagem de saber que pode aproveitar todas as opções culturais sem se preocupar com sua segurança física. No Brasil... bem, digamos que se aquela peça do Shakespeare que eu mencionei ali em cima tivesse rolado no Ibirapuera em São Paulo quando eu estava por lá, provavelmente eu teria ficado em casa jogando vídeo game. Não adianta muito você ter 1001 opções culturais e restaurantes de todas as cozinhas do mundo se você tem medo de sair de casa ou prefere não estar na rua depois das 22 horas pra não dar sopa pra sequestro-relâmpago.
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É isso, minha gente. Peço desculpas pelo sumiço de meeeeeeeeeeeeeses, mesmo sabendo que o blogue é algo que faço de forma espontânea e que ninguém depende dele (nem eu). Ainda assim, sei que tinha gente que acompanhava, e agradeço de verdade a todo mundo que esteve aqui, seja desde o início, seja em qualquer outro momento. Espero que, além de servir como registro oficial da minha jornada e válvula de escape, ele tenha sido útil para algumas pessoas durante o tempo em que esteve no ar.
Àqueles que estão no processo (como quer que ele seja hoje em dia), àqueles que já estão por aqui e àqueles que estão pensando em voltar ou que já voltaram, um grande abraço e meus mais sinceros votos de BOA SORTE E MUITO SUCESSO!
Até! :)